Hoje, sem nem saber por que, comecei a pensar em morte. Não que eu queira morrer, longe disso. Na verdade estou recomeçando a viver. Mas, fiquei matutando. Morrer, como será? O que acontece depois?
              Será que chega uma hora que descobrimos que estamos prontos para a grande viagem? Ou será que esse momento nunca chega? Será que a tal morte nos assalta de mansinho sem nos deixar chance para nos defender dela e nos leva sem termos tempo de afivelar as malas... Nem quero pensar. Acho que nunca estarei pronta.
             Já pensou como seria? Outras maõs que não as minhas a vasculhar meus poemas ocultos, a descobrir meus segredos escabrosos, desejos pecaminosos... O que dirão de minha coleção de roupinhas sex que escondo na gaveta de baixo do armário... Isso sem falar no trabalho que teriam para desnudar as paredes do apartamento. São quadros, poemas, galhos de árvores, flores sêcas, sapucaias, tudo agarrado nas paredes e portas. E meus retratos... São tantos. Estão por toda parte,enfim uma enxurrada de eus a serem recolhidos. E os sapatos, os chapéus...
            E quando começassem a revirar os armários. Nossa, quanta coisa, meu deus. Durante centenas de anos acumulei coisas.
           Bem, decididamente não estou pronta. Teria que me preparar... Rasgar um monte de papéis, pagar aquela conta que me recuso a pagar a marinha por morar perto do mar. Onde deus escreveu que o mar é da marinha? Desconheço. E minhas arvores de natal? O que fazer delas? São tantas e tão lindas.
            Mas, o mais crucial de tudo. Fiz um pedido a meus filhos. Quando eu estiver naquela hora, durinha, só quero beneditas sobre meu caixão. O problema é que beneditas não são comercializadas. Os filhos terão que andar catando nos terrenos baldios. Uma dica: Em Jacumã, tem sempre beneditas.
           Bom, vamos a trilha sonora. Lógico que quero. Poderá ser uma peça de Mozart ou um música nordestina de Flávio José. Por favor, nada de café. Que sirvam um vinho chileno, de preferência verde e gelado.
          Quanto ao mais, nada de tristezas. Vivi muito e bem vivido, mas acreditem falo de morte como falo de vida. Enquanto ela não bem, estou recomeçando mais uma vez.