Precisa oprimir?

Cleusa é uma avó com apenas alguns trejeitos de vó – só os bons. Separada há muitos anos, consegue viver com pouco e ainda trabalha muito, mesmo quando diz que vai diminuir o ritmo. Sabe passar roupa como poucos; dá pena colocar uma camisa passada por ela porque vai amassar.

Sorri bastante, embora não creia que tenha tantos motivos assim, mas o sorriso vem de sua forma peculiar de ver a vida, sem grandes filosofias ou extensas explicações, apenas a alegria de aproveitar cada momento.

Católica praticante, participa ativamente das atividades da paróquia, tanto dentro quanto fora do templo. Também por isso tem muitas amigas e guarda os velhos amigos. Às vezes deixa o rádio ligado o dia inteiro em programas religiosos católicos. Surpreendentemente, com um perfil desses, nunca procura “converter” ninguém; dá seu testemunho alegre e isso basta.

Gosto de conversar com ela, ouvir suas ponderações, suas tiradas filosóficas extraídas de uma vivência rica e da curiosidade para com as coisas do mundo e de Deus. Na última vez que conversamos, o assunto virou para religião. Colocação dela: “Religião tem que ser uma coisa leve, que faça a pessoas se sentir bem, por que teimam em oprimir as pessoas ao invés de elevá-las?”

Um filme de terror passou por minha mente ao ouvir isso. Terror, ao lembrar das cerimônias de ameaças e de medo em que se transformaram muitíssimas pregações, principalmente as eletrônicas. Terror, com os milhões de demônios que são colocados nas pessoas pela imaginação fértil de gente sem o mínimo conhecimento, mas muita lavagem cerebral. Veio outro filme: o da bem-aventurança, feito por pessoas como a Cleusa: sábias em sua simplicidade e com um coração de amor.

No dia seguinte à nossa última conversa, estava com minha filha na espera superlotada do hospital, uma mulher quis ser útil, na ótica dela, e sugeriu que lêssemos “Ágape” para curar a filha. Nervoso e cansado dessas interferências “salváticas”, respondi que já havia lido e que achei superficial. “Então você não acredita em Deus”, foi a resposta indignada. Eu não precisava ser grosso, mas também não precisava aguentar: “Nesse deus que precisa de adulação o tempo todo, não acredito mesmo”, respondi.

Ela deve ter ficado com torcicolo, pois virou a cara e não desvirou mais. Vou apresentar a Cleusa a ela.