CAFÉ DA MANHÃ COM OS LIVROS


Torne-se o sol e todos o avistarão.
O dever do sol é existir, ser o que é!”

(Crime e Castigo - Fiodor Dostoievski)

 “... irei até onde o ar termina,
irei até onde a grande ventania se solta uivando,
irei até onde o vácuo faz uma curva,
irei aonde meu fôlego me levar”

( A hora da Estrela - Clarisse Lispector)

 

Mais um dia. O despertador tocou às 6:00 h da manhã. Abri os olhos para o mundo, e esse sorrio para mim. Entre fotografias na parede e os livros no armário, percebo que sou apenas um personagem de uma história cravada no papel com letras minuciosamente escolhidas, e fatos detalhadamente narrados. Um banho anima meu corpo; ávido estou pelas conquistas que a vida me reserva. Ao menos, assim espero.

Na mesa, um banquete de rei. Será que mereço? A resposta brota de minha mente como o magma vulcânico:
 

São precisamente as perguntas para as quais não existem respostas que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras da nossa existência.”

(A Insustentável Leveza do Ser - Milan Kundera)


Começo o dia filosofando e analiso a composição do meu desjejum. Fartura e cores diversas eu vejo: uva, maçã, morango, kiwi, banana, melão, mamão, mel, bolo de milho, pé-de-moleque, bolo mesclado, pães de queijo, pães de forma, croissants, leite quente, achocolatado, suco de laranja, suco de maracujá, granola, iugurte sem sabor, broa de milho, ovos mexidos, queijo, presunto, manteiga, requeijão, geleia de frutas vermelhas, cuscuz de arroz, tapioca de coco, café quente, chá de camomila, açúcar, adoçante de sucralose, porcelana, talheres de prata, copos de cristal, guardanapos de pano e um jarro com girassóis para dar um ânimo. Surge uma moça de olhos verdes e corpo escultural para me servir; nada mal.

 

A liberdade poética permite que eu tenha o café da manhã que quiser, afinal, o autor da minha vida sou eu, até que se prove o contrário. Salve Gabo (apelido para os mais íntimos) com o seu realismo – verdadeiramente - fantástico. Recordo da história de amor a qual me apaixonei, o início do grande romance é antológico:
 

Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados.”

(O Amor nos Tempos do Cólera - Gabriel García Márquez)
 

Estou em êxtase. Os alimentos descem por minha garganta em movimentos peristáuticos, enquanto meu cérebro faz uma edição de imagens de alguns livros que conquistaram espaço em minha memória ROM (não volátil). Ouço uma voz, é Saramago, do além:

 

Sem futuro, o presente não serve para nada, é como se não existisse. Pode ser que a humanidade venha a conseguir viver sem olhos mas então deixará de ser humanidade”

(Ensaio Sobre a Cegueira - José Saramago)

 

Do assento etéreo, traz a mensagem do maior escritor tupiniquim de todos os tempos, incorporando um dos seus personagens mais marcantes; sussurando ao meu ouvido:


Dedicatória:
Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”

(Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis)


Inevitavelmente, revivo os tempos de bacharelando em Direito, quando nas paradas e nos ônibus - a caminho da Universidade Federal - sonhava acordado com os universos criados por gênios da literatura. O turco ganhador do Prêmio Nobel de 2006, expondo o Oriente Médio com uma erudição avassaladora, deixava-me boquiaberto; sentia a Neve:
 

Dentro de vinte anos - em outras palavras, quando você tiver trinta e sete anos - você finalmente terá entendido que o mal do mundo - isto é, a pobreza e a ignorância dos pobres e a esperteza e dissipação dos ricos - e toda a vulgaridade do mundo, toda a violência, toda a brutalidade - isto é, todas as coisas que nos enchem de culpa e nos fazem pensar em suicídio - decorrem do fato de todo mundo pensar igual.
(Neve – Ohan Pamuk)
 

Os pedaços da tapioca de coco, do bolo de milho e do pé-de-moleque entram por minha boca em direção ao estômago, ultrapassando as paredes da mucosa gastro-intestinal rumo ao meu espírito resgionalista, nordestino, alagoano, com muito orgulho. Constato em frente à janela da sala a materialização das crianças magistralmente criadas por meu conterrâneo e seu vizinho bahiano. Tal qual o orvalho da manhã, delicadamente surgem as cenas:

 
Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas, imitava o berro dos animais, o barulho do vento, o som dos galhos que rangiam na catinga, roçando-se.”
(Vidas Secas – Graciliano ramos)
 

Só vê as luzes que giram com ele e prende em si a certeza de que está num carrossel, girando num cavalo como todos aqueles meninos que têm pai e mãe, e uma casa e quem os beije e quem os ame. Pensa que é um deles e fecha os olhos para guardar melhor esta certeza.”

(Capitães da Areia - Jorge Amado)

 

Meus lábios tocam e as papilas gustativas sentem o sabor da ambrosia que alimenta os deuses do Olimpo. Divino alimento numa manhã encatada; ficarei saciado por dias a fio. O vento do outono invade a casa e sou teletransportado para a França do século XVIII, fico inebriado:


Pois o aroma é um irmão da respiração - ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe caso queiram viver. E bem para dentro delas é que vai o aroma, diretamente para o coração, distinguindo lá categoricamente entre atração e menosprezo, nojo e prazer, amor e ódio.”

(O Perfume – Patrick Suskind)
 

Este café da manhã recheado inspira-me a paixão. Faltou-me a amada para compartilhar o prazer, diferente, peculiar, e quase tão bom quanto o da cama; um meio termo entre a gula e a luxúria. Da prosa ao verso, como a música romântica que embala uma valsa eloquente de duas almas amantes sob a luz do luar, escuto a sábia voz de Drummond:


É preciso abrir todas as portas que fecham o coração.
Quebrar barreiras construídas ao longo do tempo,
Por amores do passado que foram em vão
É preciso muita renúncia em ser e mudança no pensar.
É preciso não esquecer que ninguém vem perfeito para nós!
É preciso ver o outro com os olhos da alma e se deixar cativar! É preciso renunciar ao que não agrada ao seu amor...”

(Para Viver Um Grande Amor - Carlos Drummond de Andrarde)

 

Desperto. Volto à realidade e vejo - em cima da mesa - um sanduíche de mortadela, uma vitamina de banana e uma papa de aveia; ao menos terei sustança para trabalhar. Quem sabe um dia terei um café da manhã de príncipe, igual ao que narrei? Enquanto sofro a mutação de sapo cururu para um nobre de postura e palavras eloquentes, batalho, estudo, leio, escrevo, produzo. São exigências do mercado capitalista.

Sem mais, e para tanto, possuo uma verdade - quase absoluta - que justifica minha existência nesta efêmera vida: alimentos são combustível para o corpo, livros para a alma. Letras, sílabas, palavras, histórias e versos são eternos. Num processo osmótico, saem dos livros para as mentes sedentas por conhecimento, deixando sementes, e essas produzem frutos, que caem e geram novas árvores para o belo pomar da literatura.


(Imagem: Internet)



OBS: Todos autores e obras - aqui mencionados - possuem uma importância extrema para minha formação humana, emprestando-me um pouco do seu estilo para que hoje eu pudesse rabiscar palavras. Por tal razão, criei um texto que pudesse homenageá-los. Gosto de muitos outros, mas esses são destacados.





 



Robson Alves Costa
Enviado por Robson Alves Costa em 29/05/2013
Reeditado em 29/05/2013
Código do texto: T4315730
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