UM FANTASMA ASSUSTADO

O cavalo parou, relinchou, empinou e quase botou o cavaleiro ao chão.

Em qualquer situação, quando ficamos assustados, encurralados, o cérebro recebe uma grande descarga de adrenalina. Este neuro transmissor é um cara que acaba barrando funções menos importantes no cérebro, priorizando os mecanismos necessários para escapar da ameaça.

Por esta razão, num lapso de tempo, vemos e criamos fantasmas, fazendo coisas que até Deus duvida.

Dificilmente num momento de pavor o indivíduo vai merdear as calças, porque este neuro transmissor acaba colocando uma tranca no final do tubo digestivo. Por isto, eu acho, que existe uma ligação que vai do cérebro ao anus. O medo, ou o susto, acaba fechando todas as saídas. Vem daí aí o famoso dito de que está tão fechado que nem agulha passa por lá.

Mas, quando depois a situação está dominada, tudo se afrouxa, e até o cérebro vem tripa abaixo deixando o ex-assustado completamente lambuzado e fedido.

A madrugada era de pouco luar, mas a estradinha a frente, se exibia sensual deitada se contorcendo de um lado ao outro apoiada pela floresta nativa. O caminho era sinuoso, revelando aqui e ali, nas poças d'água um luar quase apagado.

Tudo era silêncio, quebrado apenas pelo vôo rápido de uma ave noturna, e pelo piar tristonho da coruja em um toco qualquer.

O sereno da madrugada lambia úmido o rosto do cavalheiro.

O vento sorrateiro, brincando com as folhagens, criava vultos fantasmagóricos.

O ploc, ploc das patas cadenciadas do cavalo acordava os pássaros e assustava os fantasmas em serviço.

De repente, mais adiante, onde a curva da estrada ia morrer, uma moita de araçá cria vida e começa se agitar.

Para o cavaleiro e o cavalo, o pouco luar criava naquele pé de araçá um fenômeno, no mínimo assustador.

O cavaleiro parou apreensivo. O cavalo, com os olhos maior que a cabeça, resfolegava aflito.

- Se for fantasma, nada poderá fazer contra nós, apenas nos assustar, mas se for alguém, tentando nos amedrontar, vai se dar mal, pensou o corajoso cavaleiro.

- Eia, vamos embora! Ordenou com um leve passar de escora e um estalo do chicote.

Avançaram medrosamente, e quando já perto, a moita, quase saindo do lugar, escandalosamente se movimentou.

O cavalo parou, relinchou, empinou e quase botou o cavaleiro ao chão.

Por entre a ramagem da moita surgiram, curiosos, medrosos, perscrutando, dois olhos vermelhos, enormes refletidos pela lua.

O cavalo deu outra empinada, cuspiu da cela o cavalheiro e saiu feito um raio pelo contorcido caminho.

O cavaleiro, incontinente, desconhecendo o perigo, voou para cima da moita.

Pelo que parece, naquele momento, o fantasma misteriosamente se materializou, e assustado, numa luta corporal, de vida e morte, grunhiu desesperadamente desfechando, como se fosse de um sabre, um corte no braço do abraço que o cavaleiro estava dando.

Ferido, confuso, sozinho e assustado, o cavaleiro pode ver, se perdendo por entre a ramagem o assustado e confuso Javali que ainda, lá de longe, gritou:

- Cara doido! querendo me assustar com seu abraço?

O susto passou.

Sentiu-se sozinho, lambuzado e fedido no meio da moita de araçá..

Riu muito, e voltando a pé para casa, imaginava que história, sobre isto, contaria para seus amigos.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 31/05/2013
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