AINDA SOBRE CARTAS

As cartas sempre me fascinam por várias razões: por constituírem um gênero literário, por significarem a mais pessoal forma de comunicação escrita, por se consagrarem como uma das formas mais perfeitas de evangelização, perenizadas nas epístolas de São Paulo Apóstolo; por serem também motivo de aproximação, confidências e troca de impressões sobre textos de vários autores. Tudo isso, além das cartas familiares, as cartas de amor, as cartas entre amigos e tantas outras que se tornaram referências históricas e literárias.

As de amor, nem por serem as mais comuns perderam o encanto. Ainda hoje inspiram romantismo, inquietação e ansiedade, quando uma ausência constituída de presença só acontece nessa intimidade invisível, mas quase palpável, a se dar pela correspondência escrita. Mesmo que “ridículas”, como dissera Fernando Pessoa, elas “não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”. Pessoa talvez me aprovaria dizer: o amor é que, às vezes, nos torna ridículos ao escrever cartas ou não.

Beethoven declarou-se a uma amada imortal, desconhecida até hoje. Napoleão errou a mira e escreveu cartas de amor para uma pretendente infiel. Marx trocou mensagens românticas com sua noiva para driblar as proibições dos pais da moça. Lewis Carroll, escritor de Alice no país das maravilhas, declarou-se para uma menina que conheceu quando ela tinha 9 anos e ele já estava na casa dos 30. Yoko Ono continuou declarando seu amor para John Lennon 27 anos após o cantor ser assassinado.

As cartas históricas são documentos que preservam e autenticam a memória de um povo; podem se tornar, como no período da literatura de informação, a Certidão de Nascimento de um país, como a de pero Vaz de Caminha sobre o Brasil. Uma carta documental a que todos os brasileiros podem e devem ter acesso. Há uma trágica carta de despedida, de quem “deixou a vida para entrar na história: a de Getúlio Vargas.

Dito que carta é um gênero literário, especialmente aprecio as que a ele se destinam. E são muitas que marcaram uma época, notabilizaram alguém, ou se tornaram ponto de partida de um novo período literário e a consolidação de uma nova estética. Referi-me na crônica anterior à longa correspondência literária entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Tenho como uma das mais belas peças do gênero a carta de José de Alencar apresentando o jovem poeta Antônio de Castro Alves a Machado de Assis. Cartas de Carlos Drummond de Andrade aos contemporâneos mais próximos; cartas familiares (reunidas in obra completa, poesia e prosa) do poeta Augusto dos Anjos.

São incontáveis exemplos. Mas, entre as que tive a felicidade de ler e tenho um exemplar comigo, faço deferência especial à carta escrita por Antero de Quental a Antônio Feliciano de Castilho, documento que constituiu a famosa Questão Coimbrã ou Bom senso e bom gosto, marco inicial para o Realismo português. Quase inacreditável ter sido essa carta escrita por um jovem de 24 anos. É leitura obrigatória para os que se dedicam à literatura. Fora deste âmbito, outros se correspondem por escrito, não identificados com o impessoal e-mail. Alguns são escritores de cartas, outros escrevedores. E estes são os mais autênticos.
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Tânia Meneses, aqui está o prometido. Você que é uma ótima contadora de histórias, uma Águia do verso livre, e que na adolescência foi escrevedora de cartas.  - Abraço.

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"Ai que saudade D' ocê!"

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LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 04/06/2013
Reeditado em 05/06/2013
Código do texto: T4325418
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