pedras e balões

Sentada na calçada com um senhor no auge dos seus 70 anos, dissertando sobre vontades não realizadas.

Seu Augusto me conta que queria ter alguém pra jogar dominó sentado no tapete da sala, talvez montar um quebra-cabeça difícil com o neto mais novo, empurrar sua esposa na cadeira de balanço e arrumar os fios brancos que caem em sua face, num gesto de carinho. Ele sente vontade voltar atrás e dizer pra mocinha da lanchonete que já estava enjoado daquele suco de goiaba, e que só o pedia todos os dias, pra trocar algumas palavras e vê-la sorrindo. Podia ter lhe deixado um bilhete. Queria ter oportunidade de voltar ao campo de futebol com os amigos que costumava jogar, e pedir desculpa ao companheiro de time por ter monopolizado a bola ao invés de dar um simples toque pra área e deixá-lo fazer o gol da vitória. Gostaria de consertar mil erros. Como quando deixou a moça do vestido bege com florzinhas esperando-o no encontro que faltou por pura maldade. Ela teria sido uma boa mãe, ele pensa. Mas agora já é tarde, e ela nem deve se lembrar daquele vestido, que pensando bem, ele adorava. Sente saudade dos filhos que não teve, de ensiná-los a andar de bicicleta, da conversa sobre como deveriam tratar as garotas. Quer voltar ao tempo e viver tudo que deixou passar enquanto era um mero espectador da própria vida. O tempo porém, é irreversível.

- Sabe, minha filha... a solidão dói. Queria ao menos ter uns companheiros pra ir ali na praça jogar um baralho durante a tarde. Mas agora sou só eu, meu cachorro Fred, e esse radinho de pilhas.

- Meu senhor, a vida é assim mesmo. Pra uns, pedras. Pra outros, balões.

Keuri Caroline
Enviado por Keuri Caroline em 16/06/2013
Reeditado em 16/06/2013
Código do texto: T4344321
Classificação de conteúdo: seguro