Artimanha

Ele, depois de um dia estafante, chegou à sua casa, dirigiu-se à geladeira donde tirou um pote de manteiga, algumas fatias de queijo, outras de presunto, acomodou tudo num pãozinho francês que, acompanhados de um copo de leite, serviriam para enganar a fome. Enquanto devorava o lanche, dava voltas dentro de casa, pois trazia consigo a sensação de ter esquecido algo. Algo muito importante.

Com a cabeça martelando, mas sem conseguir lembrar qual era o compromisso, assistiu ao Jornal Nacional, cochilou durante a novela das oito, tomou um banho, colocou o pijama e deixou-se cair na cama.

Quando sua mulher – uma megera de 150 quilos, nariz aquilino, cabelos desgrenhados, dentro de surrado, suado e sujo robe de malha algodão - deitou-se ao seu lado, ele teve um estalo: “Maria Rita!”

Tinha combinado sair pra vadiar com Maria Rita. Ritinha é uma acreana morena, 21 anos, cabelos de anúncio de xampu, sorriso de propaganda de creme dental, corpinho de reclame de cerveja e cheiro de embalagens de sabonetes, perfumes e cosméticos (Ele é publicitário!). Olegário consultou o relógio e concluiu que ainda dava tempo para o pecado. “Como sair de casa...? Que desculpa usaria pra não levantar suspeitas?”

O homem das propagandas levantou-se calmamente, apanhou o cortador de unhas que estava sobre a mesinha de cabeceira, jogou-o pela janela e saiu abrindo e fechando abruptamente gavetas e portas de criados-mudos, cômoda, penteadeira e armários. Dona Olga, a bruxa com quem dividia a cama, olhava a cena interrogando-se o que estava acontecendo e imaginando uma maneira de ajudar o companheiro. Este, depois de muito estardalhaço, dirigiu-se à consorte (ou sem sorte?):

- Onde está o meu cortador de unhas?!

A bruxa, num pulo, saiu revirando lugares prováveis e improváveis à procura do artefato; naturalmente, sem obter êxito. Olegário, fazendo-se injuriado, rumou para o armário da cozinha, retirou copos - os mais baratos, escolhidos à dedo, claro – e começou a atirá-los contra a parede da pia, enquanto esbravejava:

- Não é possível que eu, provedor e dono desta casa, não tenha direito ao meu cortador de unhas! – E, hipocritamente espumando de raiva, no closet, vestiu roupa elegante, bateu a porta do quarto, entrou no carro e arrancou da garagem cantando pneus.

Ainda encontrou Maria Rita fechando o portão de sua casa (dela).

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 02/04/2007
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