Faxina de Ano Novo

31 de Dezembro

Estimado diário,

Eu me lembro bem, foi ontem, tudo era normal. Completamente normal. Gente, ontem eu admirava meu quarto com orgulho. Minha mãe sempre disse que ele é bagunçado. Mas para mim nunca tinha sido uma simples bagunça, era "a minha bagunça arrumada". O que será que mudou? Não, melhor, como será que mudou? Como aconteceu? Assim, de noite sem prévio aviso, a seriedade me apanhou e de repente eu era adulto.

Foi hoje de manhã. Eu acordei, abri os olhos e não vi meu quarto. Sabe o que vi? Eu vi... vi uma simples... bagunça. De repente eu passei achar tudo aquilo tão desarrumado, desorganizado e sabia que era símbolo de meu próprio desleixo. Não me contive, no último dia do ano eu aderi a arrumação que minha mãe faz todo ano nessa data e fui "arrumar" meu quarto.

Comecei pela minha cama, me abaixei e tirei tudo que havia debaixo dela. A primeira coisa que tirei de lá foi uma grande caixa plástica vermelha com tampa verde. Eu nem acreditei, era o meu Lego. Quanto tempo fazia que eu não via esse brinquedo, que foi um dia o meu favorito. Quando eu entrei para a 1° Série, com sete anos, minha mãe me deu essa caixa de Lego. Ela disse: "Este é um brinquedo inteligente pra você exercitar sua criatividade".

Para mim só era divertido.

Divertido? Que loucura estou dizendo? Lego é coisa de criança, não é coisa de alguém como eu que vou pra faculdade no ano que vem. Pelo amor de Deus! Eu já tenho dezoito anos, não posso máis brincar como se tivesse sete. O engraçado, é que tive a nítida sensação de que se tivesse encontrado o Lego ontem, eu teria brincado com ele na hora. Busquei um saco de lixo e o joguei lá dentro.

Decidi fazer como minha mãe sempre pedira e colocaria o colchão no sol por alguns minutos, ela diz que é sadio. Levantei o meu colchão e lá estavam, algumas revistas velhas. Olhei-as mais de perto e li: "Mário Brother". gente, como eu gostava do Mário. Com dez anos eu jogava esse video-game o dia todo. Mal chegava da escola e já ía jogar sem nem almoçar, não tinha fome. Por que será que eu não jogava mais? Ah, é. Eu me livrei do video-game à alguns anos.

A melhor atitude sim, afinal video-game não é pra alguém como eu. Eu já tenho dezoito anos, vou pra faculdade em um mês. Não tenho mais tempo para criancices. Peguei as revistas e joguei-as no saco de lixo.

Depois da minha cama fui ao guarda-roupa. Assim que abri a porta vi a ordem em seu estado perfeito. Camisas à esquerda, calças à direita. Tudo bem divido. Camisas de festa mais a esquerda e camisas de trabalho mais a direita. Ali eu não precisaria mudar nada, ali já havia a ordem de um universitário. Então vi uma caixa de papelão eaquecida lá embaixo, escondida por alguns cobertores. O que será que tinha na caixa. Eu não me lembrava. Abri a tampa e me maravilhei com um pequeno troféu de segundo lugar. E como se isso tivesse ativado uma memória a muito esquecida, eu me lembrei de que era o troféu. Eu o havia ganho numa competiçao de natação que fizeram uma vez na escola. Eu treinei duro por seis meses me preparando e ganhei o segundo lugar. Não me lembrava por que, mas sabia que tinha valido a pena. Isso foi quando eu tinha treze anos. "Ah", exclamei com intensa saudade. Ainda dentro da caixa eu enconrei a foto. Como prêmio por ter conseguido ficar no pódium, eu recebi um beijo.

Maria surgiu na multidão e sem aviso me beijou. Tiraram uma foto e estamparam no jornal ao lado do vencedor da prova. Mas por que mesmo eu tinha esquecido isso? Não sabendo responder, eu joguei o troféu e a foto no saco de lixo.

Continuei com as gavetas de roupa, lá eu não encontraria nada que me trouxessem lembranças. Tolo engano!

No fundo da gaveta, escondido sobre calças que eu não usava a muito tempo. Eu enconrei um livro, "Poesias de Camões", e marcando uma página a foto de Maria. Agora me lembrava por que esquecera aquele dia da natação. Foi o dia que comecei a namorar. Maria foi minha primeira namorada. Eu gostava tanto dela, o que aconteceu. O amor não é como Camões diz, eu não sinto o fogo arder como ele descreve. Talvez eu não tenha realmente sentido amor por ela. Talvez fosse outra coisa, sabe, "coisa de namorado".

É, era coisa de namorado. Afinal, não era como se eu quisesse me casar com ela. Não é o que se sente quando se está noivo ou casado, é apenas "coisa de namorado". Mas eu gosei tanto da Maria. Ah, eu também achei um papel de Sonho de Valsa. Eu me lembrei daquilo, foi o primeiro bombom que dei a ela. Nossa, como eu era bobo! Isso é tão meloso de minha parte. Curioso, nós não terminamos direito. Ela foi embora, saiu da cidade e eu nunca ou levei ou dei um fora nela. Oficialmente falando, nós ainda somos namorados. Que asneira! Fazem três anos que ela foi embora. Eu tinha só quinze anos. Agora é diferente, eu tenho dezoito. Sem falar que eu namorei outras duas garotas nesse tempo. Quer saber... e joguei o livro, a foto e a embalagem de bombom no saco de lixo.

Levei o dia todo, mas consegui arrumar o meu quarto. Agora sim ele parece de alguém sério que vai fazer faculdade.

01 de Janeiro

Estimado diário,

Eu mudei de novo. Acordei cedo, abri os olhos e não vi meu quarto. Então peguei o saco de lixo, despejei tudo no chão e voltei cada coisa rpo seu lugar original: o Lego, as revistas, o troféu com a foto e o livro com a foto de Maria dentro. A embalagem eu decidi mandar pra Maria, junto com um pacote fechado de bombons Sonho de Valsa. Eu sei lá por que fiz isso, sói achei que era... legal!

Antes de ontem eu guardava aquela "bagunça arrumada" por um motivo. Motivo que desapareceu ontem, e hoje eu as guardo por um terceiro motivo: são minhas lembranças, não vou me desfazer delas. Este ano quando fizer uma nova faxina, vou ter o cuidado de não jogar as melhores lembranças da minha vida no saco de lixo. Afinal, são MINHAS LEMBRANÇAS! E o que um ser humano é sem lembranças?

Thiago A Almeida
Enviado por Thiago A Almeida em 03/04/2007
Reeditado em 17/04/2007
Código do texto: T435894
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