Sentimentos Compartilhados

A amizade é uma das iguarias mais finas da alma humana. Há quem objete que não só da alma humana, do cão também. Afinal, quem nunca ouviu história de cão que prefere morrer a abandonar seu dono? Pois é, então admitamos: nesses dois reinos animais há esse tipo de sentimento elevado.

A felicidade completa de alguém, mesmo que momentânea, exige que aqueles (seus amados) que estejam ao seu redor gozem da mesma satisfação: é pouco provável que alguém consiga ser ou sentir-se feliz, de fato, num meio onde os que o cercam, e aos quais ama, sejam ou estejam infelizes. A felicidade verdadeira requer sempre ser compartilhada.

Da mesma forma, se nosso amigo, amigo de verdade _ aqui não há lugar para pseudo-amigos _ estiver feliz, dependendo de nosso grau de amizade por ele, sua felicidade pode também nos contagiar, muito ou pouco, mas sempre contagia: só amigos de verdade são capazes de se alegrar com a felicidade um do outro. O inverso, entristecer-se com a tristeza, também é verdadeiro. É deste sentimento inverso, do qual compartilhei com alguém, que agora pretendo partilhar com o leitor.

Consolata é uma amiga de longas datas. É uma pessoa cujo caráter muito admiro. Não é de duas palavras: com ela é sim, sim, ou não, não. Não deixa os problemas ficarem maiores que sua estrutura delicada possa suportar. Não costuma trair os amigos. Não esconde que, para si, as amizades são como o vinho: quanto mais antigas, melhores. Sabendo disso, jamais ambicionei tomar o lugar de suas amizades anteriores a mim. Creio que compreendo seu juízo de valor por, na realidade, pensar e agir do mesmo jeito. Temos muito em comum: ambas somos, entre outras coisas, assaz tagarelas. Adoramos falar de nossos pontos-de-vista sobre qualquer questão. Nunca nos desentendemos, mesmo que pensemos diferente sobre algum assunto. É, pensando melhor, vejo que nossas afinidades se justificam por partilharmos o mesmo caráter. Não só os opostos, mas também os parecidos, se atraem, tudo é relativo.

Entremos agora no mérito de nosso título. Num domingo, enquanto eu e Consolata voltávamos da igreja matriz, no centro de Macapá, percebi que ela se mostrava excessivamente lacônica. Tal comportamento não tinha nada a ver com sua personalidade, mesmo porque seu temperamento sempre fora deveras estável. Sua estabilidade emocional é outra característica que muito me fascina: pessoas explosivas suscitam-me reservas. Em minha casa, enquanto eu despejava o delicioso suco de cupuaçu nos copos sobre a bandeja, Consolata participava-me sua aflição: perdera um ente muito querido. Como não o conhecesse, como nunca estivéssemos estado juntos, ou melhor, se um dia o encontrei em casa de Consolata, nunca o notei, por tudo isso, não me condoeu a alma por ele. E, naquele momento, sinceramente, nem por Consolata. Sei que essa atitude contradiz a tudo o que falei anteriormente, mas logo você me dará razão. Ainda mais quando souber que minha atitude de indiferença morreu assim que Consolata se retirou após lhe ter ministrado algumas palavras corriqueiras de consolo.

Quando a vi seguindo triste rumo a sua casa e limpando os olhos discretamente, uma tristeza singular apoderou-se de mim: minha amiga estava triste, senti-me impelida por uma força metafísica que me compeliu a compartilhar aquele sentimento. Entrei em meu quarto e fiz o que o Mestre orientou: dobrei meus joelhos e, com profunda compaixão, chorei. Chorei e fiz a Deus uma prece sincera por Consolata. Desejei veementemente que o Senhor a confortasse pela perda do querido bichano: o Fofucho, seu gatinho de estimação. Lógico, não vou mentir. Não senti pena do Fofucho. Ele era só um gato e certamente já vivera suas sete vidas. Chegara a hora de dar sossego aos ratos e de diminuir as despesas à Consolata. Mas, creia-me, doeu-me tanto ver minha amiga triste que, se aquele gato revivesse, acho que eu seria capaz de matá-lo de novo imediatamente, antes que Consolata tomasse conhecimento de sua ressurreição, para não vê-la, em outra ocasião, novamente de luto e abatida.

Janete Santos
Enviado por Janete Santos em 03/04/2007
Reeditado em 29/09/2020
Código do texto: T436424
Classificação de conteúdo: seguro