Na terra de branco quem tem cor não é rei

Na terra de branco quem tem cor não é rei

Londrina, 1978. Eu, quase menino, amedrontado da vida pela truculência de meu pai; um coitado, cuja maldade julgava-se ser ferramenta de educar nos tempos de ditadura militar. Alguma coisa me chama a atenção. Uma menina de uns doze ou treze anos caminhava na minha frente, ela usava um uniforme escolar de uma escola chique. Estava apavorada; às vezes caminhava até de ré, com os olhinhos arregalados que dava dó. Foi aí que notei que a "chapeuzinho vermelho", por coincidência, fazia o mesmo percurso que eu, pela "floresta negra" da cidade grande. Achava que estava sendo seguida. Fiquei com pena. Baixou sobre mim um espírito de carinho por ela e contive um pouco a pressa de chegar no trabalho; diminuí a intensidade dos passos até que ela desaparecesse por entre as ruazinhas e vielas. Continuei caminhando sem muita pressa até que cheguei ao jardim Shan-gri-lá, um bairro de classe média-alta. De repente fui surpreendido por uma turma de mais ou menos doze homens; fui agarrado. Ouvi de tudo; desde "tarado desgraçado", "negrinho vagabundo tava seguindo a menina", "vem cá que vamos te capar" e coisas do gênero. Um deles me deu um safanão, um tapa na nuca, que pegou meio de raspão e fui parar uns dois ou três metros, mas não caí não. Todos estavam armados de paus, facões, foices, tacos e afins. Um senhor mais velho intercedeu por mim e pediu que me ouvissem. Eu, depois de passado o susto e recuperada a voz, mas com muito medo falei: "eu... eu trabalho ali ó!" e apontei para a construção. Fui levado, "carinhosamente", com as mãos para trás, erguidas, de modo que a cabeça ficava mais ou menos na altura dos joelhos e mal conseguia andar. Ouvindo coisas como: "negrinho desgraçado... Ah... Se for mentira... Se prepare...". Chegamos ao local de trabalho. O meu patrão, Seu Bernardino, um adventista; todo espantado, com argamassa grudada nos cabelos, falou em meu favor, confirmou que fora uma coincidência e a turba, ainda meio desconfiada, com as armas em riste, dispersou, meio decepcionada por eu estar falando a verdade. O chefe deixou que eu descansasse uns trinta minutos a mais para me refazer do desespero.

carlinhos matogrosso
Enviado por carlinhos matogrosso em 03/07/2013
Reeditado em 05/07/2013
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