Homem: valio nada

Um corpo caído na calçada. Não era velho, mas também novo não era. Era gente. Como eu, você... Diante de tantas pessoas parecia não ser nada. Um ser sem valor, insignificante à sociedade. Fosse as roupas sujas e usadas, mas não eram. Estava bem vestido o cidadão. Pela aparência era homem. Mas isso não importava, estava inerte, precisando de ajuda e nada foi feito.

Passaram três horas desde o cair do corpo ao chão. Neste momento a camisa azul, que trajava, foi-se. Um malandro qualquer a furtou. Pergunto ao vendedor da loja, em frente ao corpo, se a polícia foi acionada. Responde que sim, mas estavam ocupados. E a morte a chegar... Clamo por um carro, o taxista nega-se a caronar o corpo; paro e grito com as pessoas, mas elas não me dão atenção: uma jovem ao celular, outra mulher, desesperada, dirigindo uma criança, o homem de terno e gravata me olha como fosse, eu, um mendigo. Tinha o engravatado cara de político, por isso negou a ajuda – não era vésperas de campanha eleitoral.

Aos montes os cidadãos vão passando, o corpo morrendo, suando. Passaram-se cinco horas desde o tombamento do corpo: seu celular não está mais na cintura, seus sapatos desapareceram, a cinta ausente deixou a calça a bambear. Desespero-me (de novo). Onde estará a polícia, uma ambulância? A vida resume-se a morte?

É final da tarde, o crepúsculo anuncia o adentrar da noite. Estou exausto. Sento-me ao lado do corpo, coberto apenas pela sunga. Homens e mulheres ainda passam ligeiros. Olham-me impressionados como se, eu, houvesse torturado aquele corpo... O senhor de terno e gravata retorna, deixa algumas moedas ao chão, do nosso lado. Exclamo que não precisa, mas o político insiste. A noite chega e continuo a esperar por alguma ajuda. Nada. A noite adentra e com ela o frio. O corpo está nu. A procissão passa e o padre pede para que um de seus fiéis deposite uma vela ao lado do corpo.

Destino-me para casa e lá no apartamento malas arrumadas. Minhas roupas preparadas, era posto para fora de minha residência. Alegação de minha esposa: passara, eu, o dia todo ao lado de um homem nu. E em exposição. Devo não valer nada mesmo...

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 04/04/2007
Código do texto: T437561
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