Natal tem cheiro

O Natal tem cheiro. Sim, tem um cheiro bem familiar. Cheiro de presentes. Posso dizer que, até hoje, sinto o cheiro dos presentes em meu quarto.

Eu era pequena... No meu quarto, havia três camas pequenas. Eu dormia na do meio: de um lado, havia a cama de minha irmã mais velha e, do outro, a cama da caçula. Minha irmã mais velha já tinha se casado e não morava mais conosco.

A essência do Natal começava com a montagem da árvore. Mamãe tirava as bolas coloridas da caixa, bolas que, se caíssem no chão, quebravam-se em muitos cacos, bem fininhos. Ela deixava que, juntas, montássemos a árvore, que era posta no canto da sala. Havia bolas verdes, vermelhas, amarelas, azuis e algumas prateadas. Colocávamos algodão nos galhos do pinheiro, simbolizando a neve. Na época, não entendia por que havia neve na árvore de Natal... neve em dezembro, em pleno verão!... E, por último, colocávamos o ponteiro dourado na árvore. Sempre imponente, dando um toque de que o serviço estava pronto.

Na véspera do Natal, íamos todos para a casa de meus avós maternos. Muitos se arrumavam para a Missa do Galo e outros preparavam a ceia. Da noite, propriamente, pouco me lembro. Sei que queria voltar para casa e dormir. E demorava para pegar no sono, pois sabia o que estava para acontecer. Na calada da noite, papai e mamãe entravam no quarto, colocavam os presentes próximo aos pés da cama e saíam. Isso eles nos contaram anos mais tarde. Quando acordávamos com o cheiro dos presentes – ah! o cheiro dos presentes! – era uma imensa alegria. E os levávamos para a casa dos avós, para o almoço em família – o almoço de Natal de cujos detalhes jamais me esquecerei.

A mesa do almoço era montada no quintal pelos homens da família. Uma mesa enorme, feita com portas retiradas de dois batentes, a que se juntavam as mesas da cozinha. As cadeiras eram de todos os tipos, além de banquinhos e de outros assentos improvisados. E todos, como podiam, acomodavam-se para a abençoada reunião. E havia muita conversa alta e risadas e alegrias. Descendente de italianos, a família era muito numerosa e, quando se reunia, cada qual precisava trazer suas louças e talheres. Papai fez pequenas marcas nos talheres de casa, de modo que mamãe os reconhecesse. Até hoje tenho um garfo com a marca registrada – lembrança indelével.

O almoço de Natal era uma grande festa, regada a vinhos, comidas saborosas e muita uva. A parreira de uva era a pupila dos olhos de vovô Luís, que ficava muito bravo se pegássemos uma única uva do cacho que ainda não tinha sido colhido. Ele tinha o capricho de apanhar os mais bonitos e de folhas de um verde mais vivo para ornamentar as bandejas. Uma sobremesa linda, acompanhada de melancia, que também ele se encarregava de cortar em fatias para todos.

O final do almoço era sempre com muito choro, com muitas lágrimas, pois havia as despedidas de quem morava em outra cidade, as promessas para um ano que iria se iniciar. Mas para nós, crianças, tudo era somente alegria, tudo era alegria pura. Tínhamos um brinquedo novo para nos acompanhar por muito tempo. Não nos cansávamos dele. Hoje, penso que, talvez, o brinquedo pudesse se cansar de nós... Acabava se desgastando, tanto brincávamos com ele...

Meus avos já faleceram, meus primos todos cresceram, casaram-se e tiveram filhos, assim como eu. Minha filha tem 19 anos e, juntas, em companhia de meu marido, todos os anos, montamos a árvore de Natal em nossa casa. Uma árvore diferente dos tempos passados, a qual enfeitamos com bolas vermelhas e pequenos laços e que fica em lugar especial na sala. A neve foi substituída por correntes douradas, e o ponteiro dourado ficou apenas na lembrança...

Mas ainda sinto o cheiro dos presentes e ouço as risadas de toda a família. Vejo os que já partiram dessa vida... Sinto ainda, todos os anos, o cheiro da uva e do vinho entre tantas outras lembranças que, para sempre, serão parte da essência do Natal.

Simone Andreazzi
Enviado por Simone Andreazzi em 10/07/2013
Reeditado em 11/07/2013
Código do texto: T4380242
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