Pelas ruas da cidade
Pelas ruas da cidade
A rua da cidade que mais remete lembranças deliciosas é a rua da minha casa. Da casa onde vivi parte da minha vida.
Nela fui morar quando tinha quatro anos. Quando mudamos para o bairro, essa rua ainda não era asfaltada. Lembro que mamãe dizia que não gostava dela. No entanto, eu a achava muito bonita.
Nesta época, o bairro estava passando por mudanças. As sarjetas de concreto estavam sendo colocadas pela prefeitura. As calçadas estavam sendo construídas. A calçada da minha rua era igual à de Copacabana. Depois vieram os postes e vários caminhões de piche. Quando o asfalto era jogado na rua não se podia pisar, mas mesmo assim as crianças deixavam as marcas dos pés. Também fiz isso. E ainda escrevi com tinta em um dos postes, registrando o nome da minha turma de brincar na rua.
Nas noites de calor, mamãe deixava brincar na nova calçada, próximo à luz do poste, que se localizava praticamente na frente da minha casa. Lá a turminha sentava. E brincávamos de passa anel, salada colorida, esconde-esconde, corrida, mês, adivinhações. Contávamos muitas histórias.
Foi nessa época que aprendi a tocar violão e, embaixo da luz do poste, cantávamos as mais belas canções infantis. Quem não se lembra da canção “Toada”? “Vem morena ouvir comigo essa cantiga/ Sair por essa vida aventureira/
Tanta toada eu trago na viola/Prá ver você mais feliz [...]”
Do outro lado da rua da minha casa, havia o Batalhão do Corpo de Bombeiros. Para nós, crianças, eles eram os anjos fardados que cuidavam da nossa turminha nas noites de brincadeiras. Éramos quatro amigas inseparáveis e pelo o que contam, eu era a líder dessa patota.
E como toda rua, todo grupo de meninas, havia também os segredos. E na rua, debaixo da luz do poste, falávamos dos nossos amores, das paqueras, dos casos que acontecia na escola, das transformações que a vida estava fazendo com a nossa vida.
Nesta rua aprendi a andar de bicicleta e a andar de patins. Nesta rua eu esperava meu pai chegar do trabalho, vindo da esquina, com seu andar forte e decisivo, com um lanche na mão, que não comeu no seu trabalho, pois sabia que adorávamos quando chegava com ele embrulhadinho em casa. Sinto o gosto do queijo derretido no pão... Derretido pelo calor do dia, pelo calor das mãos que o carregava.
Nesta rua que meu namorado passou tão ligeiro e trocamos o encantador olhar apaixonado. Nosso primeiro olhar. Um amor à primeira vista. Hoje, meu marido.
Nesta rua que saí de casa vestida para minha formatura.
Nesta rua que saí de casa vestida para me casar.
A casa ainda está nesta rua. O poste ainda carrega as marcas de uma tinta desgastada pelo tempo, de uma criança que escreveu o nome de uma turma de amigos que se desfez com o passar dos anos.
Outras crianças passaram por ela. E outras passarão.
E com elas, outras vidas, outras histórias...