À MARGEM
  
Entrei na canoa e pus-me a remar. A água translúcida da lagoa, refletindo o azul do alto, parecia um lençol de cetim, ondulado. O remo entrava, cortando o líquido e fazia um chuáchuá ritmado, movendo minúsculas ondas. Meus braços seguiam no vai e vem, enquanto cantarolava uma canção, acompanhando o movimento.
Do lado oposto da margem, meus pais me aguardavam, sorrindo. Mamãe usava um vestido rosa, sarapicado de gotas brancas, um chapéu de palha com fita esvoaçante; papai tinha uma flor na mão esquerda; a outra segurava firme a mão da esposa.
E eu a cantarolar, mergulhando e retirando o remo. O vento punha fios de meus cabelos nos lábios, acariciava meu rosto e embaraçava–me a visão.
Chuá, chuá, água, sol, vento, canção. Era um balanço do corpo e outro da mente, uma alegria doce. O sol aquecia meus pensamentos, que pouco vibravam, numa languidez gostosa.
O remo continuava seu ritmo, a margem parecia ficar mais distante e a visão de meus pais se diluindo. Uma saudade espichava, fazia cócegas no coração.
– Mãe! Chega de limpar a piscina. O almoço já está na mesa. Venha. Deixa isto para depois. Eu limpo. O sol está muito quente.
Olhei em volta e tudo havia desaparecido: a lagoa, meus pais, a canoa, o remo. Nas mãos apenas a peneira de limpar a piscina.
Meus pais morreram há anos. A lagoa ficou no passado. A canoa virou lenha para assar peixe.
Passei as mãos nos cabelos brancos e entrei, atendendo o chamado de meu filho, com a sensação de que adentrava em outro mundo.



 


 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 19/07/2013
Reeditado em 28/07/2013
Código do texto: T4394287
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.