Crônicas do Cotidiano – Um Pai Especial

Diariamente sigo para o trabalho de ônibus, e, quando não estou lendo, costumo conversar com algumas pessoas, principalmente com aquelas com quem crio laços de afinidade. Os diálogos, as vivências, os risos e as lágrimas, permeiam essas relações de trocas.

Recentemente, em uma dessas viagens, sentei-me ao lado de uma amiga e começamos a conversar sobre coisas corriqueiras. O diálogo enveredou para o tema família e dessa forma pude conhecer um pouco de seus momentos vividos ao lado de seus pais e irmãos. O que marcou profundamente a nossa conversa foi a admiração e o respeito expressos por essa amiga em relação ao seu pai, um ser humano de grande valor, que deixou lições maravilhosas para aqueles com quem conviveu.

Ele foi adotado aos 08 anos e era tratado como empregado da família que o adotara. Porém, em seu coração não cultivou a revolta. Criou seus filhos com cuidados, afetos, dedicação. Não queria que eles passassem pelos mesmos sofrimentos. Seus olhos atentos percebiam que os filhos só comiam as frutas “fáceis”. Mimava-os cortando as frutas “difíceis”, deixando-as em seus respectivos pratinhos para que comessem sem dificuldades. Do peixe, ele retirava as espinhas para que não oferecesse risco de engasgos aos seus pequenos, mesmo quando eles já não eram tão pequenos. Amante da disciplina, aplicava um "castigo" amargo para reprimir as brigas entre as crianças, colocando-as sentadas frente à frente para comer jilós e refletir.

Com o passar dos anos e os filhos já crescidos, naquela que seria a sua última reunião em família, disse que “já poderia morrer, pois seus filhos já estavam homens e a filha tornara-se uma mulher”. Sabia que tinha feito um excelente trabalho e cumprira seu prazeroso dever. Alguns dias depois veio a falecer.

Em alguns momentos da conversa pude ver lágrimas silenciosas escorrendo pelos cantos dos olhos da minha amiga, que discretamente as enxugava, enquanto eu, extremamente emocionada, tentava conter as minhas.

Nem sempre o mais importante na viagem é o destino final; as experiências que são compartilhadas durante o percurso, enriquecem e emocionam tanto ou mais que a chegada.