O dia do inimigo – uma pequena homenagem aos esquecidos

Venho aqui como forma de protesto. O dia vinte de julho é consagrado como o dia do amigo – não entendo o motivo da escolha da data, que, aliás, é deveras esquisita, pois foi o dia em que o homem pisou na Lua, e um dos simbolismos místicos deste nosso satélite é a loucura -, dada a sua importância em todas as esferas sociais.

O substantivo "amigo", que é proveniente do latim "amicus", é de uso cotidiano para nós, angariando a posição nuclear em diversos sintagmas, desde "o amigo", "meu amigo", "bom amigo", até conotações pejorativas, como "falso amigo", "amigo da onça" – expressão esta consagrada pelo chargista Péricles Andrade Maranhão, por sugestão do diretor da revista O Cruzeiro, senhor Leão Gondin de Oliveira, inspirado em "El inimigo dele hombre" (O inimigo do homem), um personagem argentino. Ainda que tenha sido baseado na criação de nossos "hermanos", não creio que tenha sido alguma resposta ou revanchismo.

Existe uma classificação para as relações sociais: "conhecido": é aquele com quem trocamos alguns cumprimentos; "colega": pode ser de trabalho ou uma designação para aquele com quem não temos muita intimidade, um aspirante a alcançar um lugar mais alto em nossas vidas, um candidato a amigo; "amigo" é aquele com quem dividimos todas as nossas intimidades, que sabe do nosso íntimo, que tem ingerência sobre nossas vidas e nos orienta. E o "inimigo"? Onde ele entra nessa relação? Dedicarei, alguns parágrafos a falar dessa tão famigerada figura.

O "inimigo", em geral, é um ex-amigo, um estágio mais avançado das relações pessoais – que pode ter recebido esse título por diversas circunstâncias, desde o que chamamos de inveja, traição ou mesmo por alguma razão metafísica. O Diabo é chamado por muitos de O Inimigo, isso mesmo, com o devido respeito da caixa alta nas iniciais. É fato que inimigo é sinônimo de persona non grata, para quem desejamos o inferno – e, de preferência, bem longe de nós -, por quem temos desprezo ou simplesmente alguém que relegamos ao ostracismo. Contudo venho aqui fazer uma defesa do inimigo.

Ao contrário do que o título sugere, não proponho um Dia do Inimigo, pois seria muito mesquinho lembrar de figura tão ilustre por um só dia em todos os 365 – fora o ano bissexto, em que o inimigo é agraciado por nossa memória, desprezo ou esquecimento com mais um dia - , tampouco sei se concordo com um dia para o amigo. Ambos nos acompanham todos os dias, mas a diferença está na intensidade: o inimigo é acalorado, sentimental, mal compreendido, diria que até injustiçado. Desenvolverei essas ideias.

O inimigo é muito mais intenso que o amigo: este, o amigo, está conosco em todos os momentos, é aquele para quem ligamos a fim de sair um pouco sem rumo, com quem gastamos horas e horas no Facebook, a quem nos doamos, e quem se doa a nós também, com a mesma intensidade ou um pouco mais, mas, para ser chamado de amigo, não pode haver disparidade: a relação não será duradoura se ambos não se doarem de modo muito parecido. Já o inimigo, não. Não costumamos telefonar-lhe, não pensamos nele nos bons momentos, fazemos questão de excluí-lo das redes sociais e ainda dedicamos um tempo a praguejar-lhe a existência. Ainda assim ,ele continua conosco. O inimigo é incondicional, mais do que o amigo. É possível terminar uma amizade, mas uma inimizade é eterna e acalorada.

O inimigo sabe mais de nós do que o amigo, e por conta própria, pois ele pesquisa a nossa vida, portanto se mostra interessado, atencioso. Quer saber algo sobre uma pessoa? Não pergunte ao amigo dela, pergunte ao inimigo, que é um profundo conhecedor da vida do seu antagonista. O inimigo sabe de todas as suas conquistas, sabe o número do seu novo celular, sem você lhe informar – o amigo sempre perde seu número e depende de você para obtê-lo -, lembra de você na madrugada e faz questão de te ligar quando sabe que você está dormindo, de número restrito, acanhado, temendo ser descoberto e ultrajado. O inimigo quer ter o seu valor reconhecido, quer que você saiba da existência dele, é obsessivo, carente de atenção, dedicado e ciumento, faz questão de ser o mais atingido pelo abandono sofrido e não admite que ninguém o sobreponha. Enquanto o amigo faz um excesso de cobranças, o inimigo se doa por inteiro, sem exigir nada de nós. E o que fazemos do inimigo? Continuamos odiando-o ou desprezando-o, o que faz dele uma figura melancólica e injustiçada, mas ainda assim fiel.

Gostaria, neste dia 20/07/2013, de parabenizar todos os meus amigos, por fazerem parte da minha vida, aturarem minhas rabugices, emprestarem os ouvidos e os ombros sempre que necessito. Ainda agradeço-lhes pelos puxões de orelha, pelas dicas e conselhos que são cruciais para mim, enfim, por existirem.

Especialmente, agradeço aos meus inimigos pela sua existência, pelo papel importante que desempenham em minha vida, por nunca permitirem que eu seja esquecido e por eu saber que pensam em mim, que acompanham todas as minhas vitórias, mesmo com o injusto esquecimento que lhes oferto. Peço que não me abandonem e desejo não ser substituído por ter sido insuficiente para vocês ou por ter falhado. Sei que vocês, inimigos, sempre me perdoam por eu não lhes dedicar espaço em minha vida, por não pensar em vocês, mas, como um pedido de desculpas e redenção, ofereço-lhes esta humilde homenagem.

Feliz dia do amigo

Feliz dia do inimigo

Felipe Vigneron
Enviado por Felipe Vigneron em 20/07/2013
Reeditado em 08/08/2013
Código do texto: T4396378
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