POSIÇÃO
 
Estou na posição exigida pelas autoridades. Cinto de segurança apertado, postura ereta, retrovisores ajustados à minha estatura, marcha primeira colocada , pisca pisca piscando à esquerda, no estacionamento de rua permitido, preparado para retorno a minha casa. Vejo pelo retrovisor que dá para partir. Acelero e logo estou à rua a dirigir de volta de onde vim bem cedo.
Já é tarde e o transito é melhor. São cerca de 35 Km de estrada em transito urbano. Lombadas mil, semáforos bons e ruins, uns respeitados e outros não. Seguirei, enfim, minha intuição!!!
Faço uma breve parada e compro uma lata de cerveja, embora eu não beba.
Sigo então relembrando os momentos históricos que passei horas atrás, por horas afinadas. Havia chegado, tocado a campanhia e ela me recebeu com um beijo no rosto. Calados ficamos por longo tempo, para que falar!!!
Cidinha, a empregada, tão logo serviu-me um café passado na hora, usei açúcar mesmo.
-Olá Cidinha, tudo bem...
-Tudo bem Seu Antonio...
O silencio impera, mas não é misterioso, um silencio de saudade. Já estou deitado na poltrona sem camisa , suando meio frio, que calor cabuloso, da temperatura quente do Rio e da ansiedade....
Ela liga o ar condicionado do quarto e me intima a pegar uma frescura. Procedo a mudança de ambiente com meus apetrechos juntos. Meu próprio corpo marcado pelos 65 anos , minha mochila carregada de coisas, chocolate meio amargo, sem lactose, bananada diet, celular desligado, preservativos, creme, escova de dente e pasta, pente, limpa línguas, enxaguatório bucal menta, uma toalhinha novinha bem felpuda.
Os lençóis da cama já haviam sido trocados em consonância com o sexo que ali seria ensaiado, exercitado, prolongado, priorizado, descansado, praticado. Em turnos de trabalho intenso e de descansos remunerados, com beijinhos, afagos respiratórios, em desalinho.
Retorno aos meus pensamentos não de onde estou vindo, mas para onde estou indo. Umas mistura de sentimentos permeiam a minha consciência.
Por quê não uns momentos de estar a só com quem se tem afinidades e recíprocas. Uma relação sem cobranças e respeito pelas diferenças. Um querer bem pelo bem estar e felicidade do outro. Uma admiração pelo que somos. Corpos enrugados pelo tempo, sem beleza física qualquer, a não ser a beleza que vemos um no outro... Namoramos na faculdade, e depois de 37 anos nos encontramos novamente. Ela me mostrara faz uns quatro anos as poesias e versos que escrevera para ela e ela havia guardado no Baú das lembranças mentais, espirituais e físicas.
Embola a culpa, mas que culpa? Embola o egoísmo, mas que egoísmo.
Estou quase chegando em casa, e estaciono numa rua escura e tomo a lata de cerveja insinuando que bebi na minha estadia longa de casa, o que é raro. Não faço isso por somente por uma desculpa esfarrapada, mas para evitar muitas perguntas e questionamentos.
Enfim, meus netos me perguntarão pelo McDonalds Feliz, que não trouxe. Minha ex-mulher perguntará onde estive por tanto tempo fora, embora ela não tenha qualquer direito a perguntas, mas fará. Direi que estava tomando uns chops com amigos de infância, e logo, logo, ela sentirá o bafo de bebida e tudo estará bem.
Meu filho, meu dependente, virgem, indagará: Estava num motel com uma mulher, nem me convidou.
-Não meu filho; encontrei Serginho pipoca, uma colega de trabalho e uma turma e tomamos uns chops.
-Pai, é o Serginho Pipoca que jogou no Botafogo.
-É ele mesmo.
-Pai, ele não perguntou por mim.

ADomingos
20 de julho de 2013.


 
ADomingos
Enviado por ADomingos em 21/07/2013
Reeditado em 24/08/2013
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