Diário da Vida

Até meus 10 anos.

Eu brinco. Brinco com meus colegas. Vejo que meu pai pode me dar uns trocados para comprar doce, mas só de vez em quando. Minha preocupação maior é ir à escola, que não é legal como empinar pipas e jogar bola. Outro dia machuquei o dedão do pé quando estava atravessando a rua. Dei uma topada na sarjeta que quase tirei o meu dedão pra fora! Minha mãe me diz que sou arteiro!

Dos 11 aos 14 anos.

Já sei muito do que agrada e do que não agrada meus pais. Sei que, se eu quiser um tênis melhor, não poderei contar com a boa vontade do meu pai.

Meus pêlos estão crescendo e vejo as meninas com nunca tinha visto antes. Como elas são belas! Terei que trabalhar um dia para ter uma moto que possa levar uma gata dessas na garupa. Gata? Bem, ainda eu sou um pouco atrapalhado diante das garotas, afinal, sou novo no assunto, mas o primeiro beijo foi maravilhoso! Ah, meus pais vivem falando para que eu não me aproxime das más amizades.

Dos 15 aos 17 anos.

Meu, já fiquei com varias minas e, não é pra me gabar, mas, tô namorando com uma mina da hora! E tem mais, meu, foi mó legal ir naquele show. Os caras cantaram muiiittooo! No sábado, nosso time ganhou dos pernas de pau da rua de cima. Putz, teve um paga pau que quis se levar uma comigo e sentei a mão na fuça dele!

Dos 18 aos 25 anos.

Cara, estou indo na Facul e curso, adivinha, Administração! E tem mais: já tô namorando faz dois anos. Putz, acho que a minha mina ta grávida. E agora que eu tava me arrumando na vida, cara. Um colega me arrumou um emprego num banco e agora sou escriturário. Pago a Facul com o suor do meu rosto, pode? E a minha mina? Putz, minha mina ta desempregada!

Dos 26 aos 36 anos.

Casado, pai de dois filhos, caixa de banco. Tá difícil equilibrar as contas até o fim do mês, mas vou levando a vida. Não dá pra arrumar outro serviço, pois tenho mulher e filhos pra criar. Vida difícil. Sei que isto lhe parecerá um pouco óbvio, mas meus filhos são lindos! Não tenho mais aquela vontade de compra roupas de marcas. Isto realmente não me atrai mais. Vejo em primeiro lugar, o que poderia comprar para meus pequeninos! Realmente, não esperava que eu pudesse agir assim algum dia.

Dos 37 aos 50 anos.

No mês que vem estarei na igreja, no casamento do meu filho! Ele me enche de orgulho. É uma obra-prima minha. É engenheiro recém formado pela USP. Ele já disse que quer ficar perto de seus pais. Só de pensar no que pude fazer por ele, encho meus olhos de lágrimas. Um pai que nunca abandona seus filhos dificilmente será abandonado pelo filho!

O mais novo está seguindo caminho semelhante. Isto me faz pensar que ter filhos é um investimento que vale a pena!

Acima dos 70 anos

É, a vida passa. Passa para o jovem, passa para o adulto, passa para o idoso. Passa para o solteiro e passa para o casado. E tudo o que a gente leva ao longo do caminho, desta vida, são as lembranças e nada mais. E as lembranças ficam mais presentes em nossas mentes quando são acompanhadas de emoções. Lembranças de minha esposa, lembranças de meu primeiro brinquedo que ganhei de natal, lembrança da festa de formatura da faculdade. E posso dizer que, se eu pudesse voltar atrás em alguns momentos da minha vida, teria arriscado mais. Teria tomado mais “tocos” das meninas e caído mais cedo no chão quando tentava aprender a andar de bicicleta. Teria dito à minha mãe o quanto ela era importante para mim. Uma vez ela estava me chamando para me apresentar à vizinha e eu simplesmente não fui. Achei muito besta ouvir, como várias vezes já tinha ouvido, aquelas frases “Como ele está crescendo! Você tem quantos? Qual a idade dele?” Minha mãe estava orgulhosa de me apresentar como seu filho e eu simplesmente a reneguei. Quantas vezes recusei o pedido do meu pai “Vamos no Morumbi assistir ao jogo?” Pai! Se eu pudesse voltar ao passado, diria “Eu vou! Pode contar comigo!”