A DELICIOSA COMIDA DE MINHA VÓ

A vontade ou o desejo é a capacidade através da qual tomamos posição frente ao que nos interessa custe o que custar. É a intenção forte levada para um determinado objetivo. É ver, por exemplo uma apetitosa guloseima e partir com tudo para conquistá-la ou saboreá-la.

Minha vó Francisca era, dentre muitas qualidades que tinha, uma eximia mestre cuca. Suas deliciosas comidas, feitas com esmero e carinho, trazia não só os famintos de casa à mesa, mas também, atraídos pelo irresistível aroma desprendido das panelas de ferro da cozinha dela, os apreciadores da boa comida, que por ventura pelo caminho ao derredor estivessem passando.

Ninguém resistia, muito menos o meu pai, moleque pequeno ainda.

Meu vô Moises, lapiana da gema, além de cuidar dos afazeres do sítio, quase sempre, pelo seu caráter, pelo seu exemplo impecável de vida, era convidado a fazer parte do corpo de jurados.

Encilhava seu cavalo e punha pé na estrada até a cidade.

O sítio distava perto de légua e meia da Lapa.

Muitas vezes o trabalho do conselho de sentença se prolongava noite a dentro, fazendo com que meu avô retornasse tarde para casa.

No caminho ele já vinha, antecipadamente, se deliciando com a comida quentinha que minha avó preparava para esperá-lo.

O trote cadenciado do animal ia paulatinamente engolindo a estrada diminuindo a distância.

Nas noites de luar a lua, lá no alto acompanhava o trotear e abençoava o cavaleiro com sua luz. Nas noites escuras, ou chuvosas, apenas o piar das corujas saudava o destemido caminhante.

Ao vencer a última curva da vereda, lá estava, pendurado na varanda iluminando todo pátio, o lampião a querosene.

Pelo ruído do patear, e o resfolegar alto do animal, minha avó apreçava a janta arrumando a mesa, e ia ao pé da porta, no alpendre esperar sorrindo meu avô.

Aos poucos o vulto escuro, lá na curva, se aproximava tomando luz e tomando forma.

- Como foi o júri hoje? perguntava minha avó abraçando-o carinhosamente.

- Fui escolhido novamente, respondia com um sorriso afetuoso.

Tirava as botas, ajudado pela vó Francisca, lavava os pés e alargava as narinas para perceber melhor o aroma que vinha da panela e dizia.

- Pelo cheiro temos aquele arroz gostoso que só você sabe preparar! não é mesmo?

- E o Chiquinho? pergunta meu avô pelo meu pai.

- Já está dormindo.

Sempre que meu avô tardava em chegar, meu pai, fazia suas manhas, rolando e teimando daqui e acolá; Era posto a deitar pela minha avó, mas, lamentavelmente, o cheiro do tempero delicioso do arroz que ela preparava era o antídoto que vinha perturbar o sono dele.

Esgueirado por detrás da porta do quarto, sondava pela fresta o momento da chegada de seu pai Moises.

E a cena se repetia sempre como numa ensaio de teatro.

O Chiquinho surgia da penumbra do quarto, com a cara lambuzada de sono, e os olhos morteiros de culpa pedindo clemência para sua mãe, puxava a cadeira e sentava incontinente ao lado de seu pai.

- E você ainda não dormiu, moleque? Dizia sua mãe entre amorosa e brava.

Sorria para meu avô como que dizendo:

- Este menino não tem jeito não!

Dando uma piscadela, meu avô passava a mão na cabeça de meu pai.

No silêncio da noite no crepitar das brasas do fogão, e amparada pelo fumegar do lampião pendurado na parede, os dois sofregamente comiam aquele manjar preparado por mãos divinais. Minha vó, a um canto da mesa, feliz acompanhava a cena.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 25/07/2013
Código do texto: T4404303
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