Telhado de vidro

Um telefonema. Um susto. Certeza mutável... Um coração que enxerga, enfim, o que jamais esperava acontecer: passar pela provação de ver um filho em situação tão deprimente...

Acabo de sair de minha área de serviço, onde, agora, meu filho de quatorze anos - um lord: educadíssimo, dono de uma delicadeza ímpar com as palavras, um respeitoso loirinho, de olhos azuis, belos traços (belos mesmo!) - magrinho e de delicado porte (coisas de mãe coruja) - lava suas roupas, todas literalmente imundas de tanto vômito, sujeira de terra e... álcool... Sim, álcool representado por nem sei quantos tipos de bebidas terem sido misturadas naquele organismo jovem, que acabou de adolescer... Pois bem, meu "lord" - como o chamamos - chegou conosco (comigo e meu desesperado marido) de maca, no início da manhã, já clareando, sem nem sequer ter acordado ainda, após passar a noite no hospital, em coma alcoólico, tomando soro, plasil entre minhas orações dolorosas de mãe que sente na pele aquela dor - infinita dor de ver que falhou em algum ponto, algum momento... Afinal, as conversas da mãe e professora quase que diárias, explanações do descontrole, uso de drogas lícitas e ilícitas, a força em não se deixar levar pelos outros etc, parece que de pouco valeram. Cheguei a ter a sensação da inutilidade de meu papel, mas, otimista que sou, não hei de desistir de vencer mais essa batalha, por Deus! E por meu filho também!

Levantei-me com dores físicas (infinitamente menores que a interior), tamanho esforço fizemos nessa madrugada para não deixar aquele corpo franzino,mas poderoso, tamanha força ganhara, jogando-se de um lado para o outro - aliás, característica normal daquela quase criança, quando febril, em momentos raros de doenças; só que, com o efeito do álcool, força redobrada -batendo com os braços e pernas no beiral daquela cama horrível, ou, em dados momentos, quase batendo com a cabeça na parede, não fosse nosso amparo. Acho que se me deparasse com a morte numa esquina mal iluminada não me veria tão arrebatadoramente medrada, como me vi com essa cena a me esfaquear a alma.

Agora, após acordar e desmistificar "o porquê", o "quem" e os "senões" do fato, ao invés de ofensas verbais (das que, francamente, achei que meu marido não iria se abster - e absteve-se), tapas etc... mostrei-lhe as fotos que tirei no hospital, pelo celular: cenas da deprimente realidade, junto a um vídeo que fiz de alguns momentos seus, com aqueles olhos enormes e tão doces revirados, sem noção de tempo e espaço, vida e sobrevida... Vi, agora pouco, o medo e a vergonha naqueles olhos. As lágrimas teimaram em inundar-lhes, e eu, chorava sangue, por dentro. Mostrei-lhe tudo, ainda à mesa do café, que ele nem aguentava tomar direito, e, ali, pôde constatar o resultado da irresponsabilidade, do imediatismo em "crescer", como urram esses jovens "safos"; da falta de coleguismo dos "amigos" aos quais dedico tanta consideração; dos quais ele se diz irmão, aqueles a quem dou o café da manhã quando aqui dormem; aqueles, para cujos pais peço sempre a confiança de deixar que fiquem em minha casa, posto que moro num ponto privilegiado para as festas da cidade - as mesmas festas em que organizadores proíbem a venda de bebidas pra menores, na teoria... Não fosse o médico plantonista na festa, amigo de meu marido, ser avisado por outro amigo meu, de trabalho, e reconhecer meu filho, criado com todo o amor do mundo, estaria desmaiado ali, apenas "mais um" jogado num canto escuro, numa calçada "já bastante conhecida dos mendenses", nessa região.

O trato da confiança é algo sério, que quando perdida, disse-lhe, gera descrença - em tantos e tantos casos. Mas agora, enquanto meus olhos ardem aqui, diante do meu computador, meu marido estuda no quarto ao lado, meu rebento cura a ressaca fazendo o que lhe prometi jamais fazer - e ele sabe que cumpro - posto que a vida, isto foi-lhe ensinado, traz escolhas e ele agora, em nome do amor que lhe tenho, escolherá: ou ler bons livros e sua querida revista "Mundo Estranho" - seus hábitos - ou ainda, ficar na net, sair aos sábados e domingos... ou, em contrapartida, acostumar-se a lavar seus fétidos pertences, (o que está doendo mais que uma coça bem dada, ao que parece, já que o "plasil" perdeu o efeito diante de tamanho odor e sujeira causadores de um nojo incondicional para aquele jovem, até então, desacostumado das responsabilidades pelos atos graves). Não sei se minha didática será útil, ou é a certa, mas pelo menos, no hoje de meus dias, foi a forma que encontrei para mostrar, na prática, o mal estar causado pela insensatez da imaturidade. O resto, pela vida e em família, com infinito amor e muita insistência, haver (emos)á de alcançar.

(Vi-me aqui, nessa página, hoje, escrevendo sobre o pior dia que já passei e, assim, deixando meu desabafo - até meio incoerente, creio eu - tamanha dor; um quê de "mea culpa", aliada a um alívio pelo fato de não ter acontecido o pior ... mas que ainda me aflige demais o coração...)

Luzia Avellar
Enviado por Luzia Avellar em 27/07/2013
Reeditado em 31/07/2013
Código do texto: T4406838
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