Cada louco com a sua mania

Cada louco com a sua mania. Manias e maneiras para ser bem justa. Em minha casa todos temos pelo menos uma e a elas o terapeuta costuma denominar TOC – transtorno obsessivo compulsivo. Nome complicado esse, mas de fácil explicação.

Sempre tivemos uma vida nada simples, aliás todos neste país parecem compactuar de certa complexidade, não sendo, em absoluto, um privilégio só meu. Eu e meu marido, por tantas vezes quase ex, tínhamos uma vantagem em relação a outros casais: morávamos em estados diferentes e nos encontrávamos a cada quinze dias. O que a princípio parecia ser uma vantagem, uma vez que nos víamos de visita, tornando mais difíceis as brigas, começou a incomodar.

Em suas visitas periódicas quinzenais, antes de sua chegada, entravámos todos em polvorosa. As minhas secretárias enlouqueciam, tentando manter a casa o mais arrumada possível para evitar constrangimentos na hora em que o patrão chegasse. Eu e as crianças ficávamos tensos.

Tínhamos um aparador na entrada da sala e sobre ele ficavam dispostos alguns anjos com trombetas, adereços, graças ao bom Deus, hoje esquecidos, frutos de algum período de mal gosto temporário. No centro do mesmo aparador, rodeado pelos tais anjos, havia uma escultura de Dom Quixote feita em cobre. Acontece que, quando o patrãozinho chegava, a primeira coisa que avistava era o tal aparador. Dava três passos da porta até ele e mexia na posição dos adornos, reclamando sempre de que suas posições não correspondiam às posições de seu rearranjo antes de deixar o lar doce lar.

A reclamação era feita em alto e bom som de modo a conformar o vizinho da quinta casa à direita no condomínio. Corríamos de um lado a outro e, tensos, ficávamos torcendo para que ele não achasse mais absolutamente nada que o deixasse ainda mais zangado. Entretanto, ele parecia sempre encontrar algo além de nossas potentes e atentas visões. Pronto, aí estava instaurado o pequeno inferno quinzenal.

Certa vez, eu e minha filha mais velha combinamos uma bela investida contra esse estado de coisas: quando ele fosse embora, no domingo à noite, iríamos medir milimetricamente a posição em que foram deixados os anjos. Nos armamos de fita métrica, papel e caneta e, assim que ele se despediu e deixou a residência em direção ao aeroporto, eu e ela pusemo-nos a medir exatamente a posição dos adornos no aparador. Anotamos num papel e o colocamos na gaveta. Na quinzena seguinte colocaríamos o nosso plano macabro em prática.

E assim o fizemos. Os adereços foram colocados milimetricamente nos lugares em que foram deixados e, silenciosamente, ficamos aguardando a entrada triunfal do grande chefe. Finalmente, naquela quinzena, não levaríamos bronca, pelo menos por isso. Chegada a hora, meu marido passou pela porta da sala, como sempre, e andou até o aparador. Qual não foi a nossa surpresa quando, para espantou geral dos que assistiam ansiosos àquela cena, as palavras foram as mesmas das ditas em tantas outras vezes:

- Caraca, vocês não têm jeito, não conseguem deixar essas porcarias como eu deixo! – falou alto, adiantando-se em rearranjar os pequenos objetos.

Perplexos, olhamo-nos e tentamos argumentar que fora exatamente da forma que ele deixara que os pequenos monstrinhos tinham sido arrumados, mas sem êxito. Nem falamos do nosso truque, mesmo porque não adiantaria. Naquele momento, ele não ouviria. Veio a saber algum tempo depois e o fato rende-nos boas risadas até hoje. Certo dia, ele deixou de alterar os pequeninos e arrumou um outro motivo para as broncas eméritas.

É bem próprio desse transtorno. As situações, a princípio, são engraçadas. No entanto, com o tempo, passam a incomodar. O pior é que parecem sofrer mutações também, fazendo com que sejam adquiridas outras novas manias. Se pegarmos muitas das definições científicas para o toc, acabaremos concluindo que quase todos temos, em algum grau, esse transtorno psiquiátrico, uma vez que, em algum momento, apresentamos rituais compulsivos.

Sol Galeano
Enviado por Sol Galeano em 29/07/2013
Reeditado em 29/07/2013
Código do texto: T4410376
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