TEMPO - MAIS HISTÓRIAS CONTADAS POR QUEM AS VIVEU

O terreno pedregoso, coberto de macambiras, xique-xiques, coroas de frade, angico, palmas e outras espinhentas, que se expendia do fundo do quintal até o Canion do velho e Íntimo Chico ainda tremia dissipando o calor acumulado durante o dia dos escaldantes verões de Paulo Afonso, e lá íamos mais uma vez de mãos dadas repetir um ritual nunca pactuado verbalmente, mas que sabíamos não podíamos nos furtar. Dava até cólica, tamanho o desaforo. Um, dois, três. Mané Barrão, barrão,barrão. O eco reverberava no horizonte trêmulo. Agora era desenganchar a camisa da farda posta para secar no arame farpado da cerca e correr. O lusco fusco descendo leitoso do firmamento anunciando mais uma noite de enigmas e mistérios, e sebo nas canelas, antes que Mané Barrão nos alcançasse. Sempre conseguimos chegar antes até a proteção da réstia de luz da porta da cozinha. Não que Mané Barrão, não corresse mais que eu, que ainda era muito pequeno. Ele na verdade nos temia, afinal sempre íamos de mãos dadas, éramos mais fortes.

Depois que o lusco fusco dava lugar a noite do sertão, era hora de viver o fantástico. As historias demalassombro de Seu Miguelzinho, os Pankararu arranchados embaixo das mangueiras, cantando Toré para os encantados enquanto passavam o campio de mão em mão, que só com a fumaça ficávamos grogues, ou vivíamos as magias do Oriente, nas noites em que Das e Zé das máquinas iam para o cinema. Primeiro Suely reproduzia alguns dos números do último circo a passar na Vila Poty e por fim envolta em colcha de cama dupla face, Dalma fazia sua habitual performance do chá chá. As caboclas Pankararu, deliravam, e isto nos garantia alguns ovos de guiné, bonequinhos de barro, e as pinhas mais doces e carnudas do sertão. Até hoje são.

Finalizado o espetáculo hora de ir para cama, imaginar os mistérios da noite: sombras das mangueiras projetando monstros na parede, o barulho do vento sibilante, somado ao barulho que Alipio e Caito faziam nas venezianas da janela. E assim fomos nos acostumando e fortalecendo com os enigmas da noite, que só o Tempo, aquele capaz de entender e decifrar grandes amores, iria nos mostrar a todos os Santos, que sem a noite não há amanhecer.

As noites ao longo do Tempo, foram passando, laços foram se consolidando, e em vez de buscarmos refugio no juazeiro distante quando alguém da vida iria apanhar, começamos a estar juntos de mãos dadas enfrentando o Mané Barrão de cada um. Cada um deu um pouco de ombro, aproveitou um pouco de colo, foi ouvido cúmplice nas madrugadas das noites de todo este Tempo, decifrou os enigmas das sombras projetadas nas paredes da memória. Ah! mais quantas risadas também não demos, voltando dos assustados de garagens, sob o ritmo do ultimo LP da novela das oito. Mais tarde, Folhas e Fevers embalavam as Noites do Clube dos Oficiais, ou Claudionor Germano confundido com o cheiro de oiti maduro, davam o sinal que as noites de verão se acabavam, anunciando a Quaresma. E quantas noites, não tiveram o tom proibido do ultimo disco de Chico, falando do operário que construiu escolas e igrejas que não pode entrar e morreu, maluco beleza há dez mil anos atrás atrapalhando o sábado. Deus lhe pague, por que todos sem lenço e com documentos do parentesco com o Capitão, não pelas Asas da Panair, mas pelas linhas do Correio Aereo Nacional, começamos a fazer a Ponte Pernambuco/Bahia, que a cada uma das nossas férias ficou o que contar, o que lembrar. Como era uma sincronicidade de parir, aqui e acolá, cada um tinha seu correspondente, que o tempo mais tarde fez questão de embaralhar. Para não ficar fácil de adivinhar, quem tinha vivido mais noites do Tempo,todos receberam do Tempo sua mecha branca. Como se a providencia divina assim nos marcasse, para lá do alto nos acompanhar, e certamente dar boas gargalhadas com a ironia de sermos todos Santos.

De lá para cá, cada um teve seu pé de Garapiá, mas também teve a opção do caminho dos Manacá, como se a chácara Eliana fosse o refúgio do caminho de Santiago de cada um. Como todo caminhante, teve momentos que estivemos sós na noite, acuados pelo uivo dos lobos, mas teve momentos que caminhamos lado a lado, fizemos fogueira, afagamos ou sufocamos egos, demos risadas até chorar.!!!

distante!!muito distante!!! Mas ...muito bom de lembrar!!

Paulo Cezar Nho
Enviado por Mel Mamede em 31/07/2013
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