Verdades que esqueceram de acontecer

Mário Quintana, em sua doce ironia, dizia que a mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer.

Lembrei-me dessa definição, relembrando as desilusões que sofremos, em razão dessas “verdades”. Se não fossem elas, talvez tivéssemos raras oportunidades de sermos realmente felizes. Tantas alegrias acontecem por verdades que não são ditas, ou então, por verdades que não acontecem.

Em matéria de amor, de relacionamentos, essas “verdades” nos garantem momentos de felicidade inimaginável, somadas à ingenuidade natural de quem necessita ser amado. Se não crêssemos, muitas vezes, nas doces mentiras contadas ao pé do ouvido, é provável que passássemos boa parte de nossa existência à espera do nosso grande amor, deixando de viver outros grandes amores, alimentados pelas verdades que esqueceram de acontecer.

Confesso que, acordando da minha ingenuidade, nascida da minha carência de amor, reagia com raiva, ressentimento, mágoa, quando percebia ter me deixado levar por uma dessas verdades. Acredito que o conquistador, o sedutor, realmente acredita nas suas palavras, quando está no processo de envolver sua vítima. Quando percebe que o jogo está ganho, continua, correndo o risco de cair na própria armadilha, ou então se afasta, deixando atrás de si, mais um coração partido.

Com o passar do tempo, refletindo sobre minhas reações, sobre verdades que acreditava serem reais, mas que esqueceram de acontecer, percebi que fui feliz, enquanto acreditava nelas. Sentia-me amada. No final das contas, o sedutor, autor das verdades que me fizeram feliz, provavelmente continua contando suas verdades, que devem estar com a Doença de Alzeheimer, porque esquecem insistentemente, de acontecer.

E, se ele continua nessa mesma rotina, é porque ainda não encontrou nem seu amor de verdade, ou seu amor de verdade, também esqueceu de acontecer.

08/04/2007