Sinistra Comparação

Dentre as reivindicações que motivam as recentes manifestações populares, inclui-se certamente a relativa ao desaparecimento, inexplicável ainda, do cidadão Amarildo, morador da Rocinha. Que nos remete ao sumiço do corpo, jamais encontrado, da jovem engenheira na Barra da Tijuca há alguns anos. E a outros prováveis desaparecimentos de que não temos notícia por não terem sido veiculados pela mídia.

Não vivemos mais sob uma ditadura militar, quando eram frequentes tais ocorrências, com corpos que jamais foram achados, como o do deputado Rubens Paiva. Mas não estaremos vivendo sob outro tipo de ditadura?

Ou alguém duvida de que Rubens Paiva não tenha sido assassinado em dependências militares?

Observe-se que nos anos de chumbo da ditadura, os militares decidiam não falar e pronto. E ainda ameaçavam prender a quem os perguntassem.

Hoje ocorre algo parecido. Não existem declarações públicas esclarecedoras a respeito, por exemplo, do sumiço do Amarildo. Como se não houvesse torcedores do Botafogo. Só do Flamengo.

Caberiam aos responsáveis pelos órgãos de segurança e ao Governador do Estado depoimentos públicos estabelecendo um prazo para a elucidação do desaparecimento do morador da Rocinha. Especialmente em se tratando de ele ter sumido depois de detido por policiais militares e levado – erroneamente, conforme reconhece o próprio meio policial-militar – para uma UPP.

Agora, pessoas ligadas ao meio policial-militar sugerem na TV que o pedreiro possa ter sido vítima da guerra que se trava na Rocinha entre facções de traficantes diferentes. Sim, mas por que teriam sumido com o corpo?

Alegam também que é normal que se encontre sangue em viaturas policiais, face à utilização desses veículos em situações que permitam esse tipo de ocorrência. Mas não podem se opor, é claro, à necessidade de que esse sangue seja comparado com o dos filhos da vítima. Tudo no sentido de se chegar a um esclarecimento.

Só que o tempo vai passando. E a tendência é a de que, tendo o corpo sumido, como o da engenheira da Barra ou o da namorada do goleiro do Flamengo, vamos ter que esperar por 25 anos para que nada fique esclarecido. Ou melhor, para que cheguemos à conclusão de que o pedreiro deve ter sido realmente assassinado. Por um motivo que deveria permanecer em segredo. Junto com a autoria do crime.

Ao Estado caberia o dever de não ficar omisso nesse caso. Como tantas vezes ficou nos casos dos corpos enterrados no Cemitério de Perus, em São Paulo. Para que não fosse possível a sinistra comparação entre os dias vividos entre 64 e 85 e os de hoje.

Rio, 31/07/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 03/08/2013
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