Duas arenas para Santa Catarina

DUAS ARENAS PARA SANTA CATARINA

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 07.08.13)

Perdoem-me o atraso, e nem foi muito por culpa minha. Acontece que o assunto estourou na quarta-feira passada, e é às quartas que sai minha crônica cá no "Contexto". Assim, quando surgiu (e surgiu meio misteriosamente, já que supostamente brotada ao mesmo tempo na cabeça dos presidentes de Avaí e Figueirense) a ideia da construção de uma arena única para os times da Capital, meu texto anterior já estava circulando, obrigando-me a esperar uma semana caso desejasse meter minha colher torta no assunto. Escritores e artistas têm a obrigação de usar colheres tortas, em especial com relação às unanimidades, ao senso comum e às verdades estabelecidas.

Pois então a ideia irrompeu forte, firme e verdejante: uma arena para os jogos dos dois clubes! Ignoro como a inspiração foi semeada, fecundando simultaneamente ambas as cabeças presidenciais - ou ao menos as respectivas bocas. E por que uma arena? Porque arena é moda, porque a FIFA diz que futebol tem de ser jogado em arena, porque arena é sustentável e estádio só dá prejuízo. Assim, todos os estádios de futebol foram decretados envelhecidos e superados. Uma arena tem restaurantes, estacionamentos, camarotes ao estilo dos iates de luxo, confortos de "lounge", música de DJ e um "shopping center" com cinemas, praça de alimentação e tudo, embutido nela.

Óbvio que paga-se por isso. Estudos realizados mostram que dobra o valor dos ingressos de futebol em uma arena. Dir-se-á que facilidades e comodidades têm preço, sempre foi assim. Os mesmos estudos atestam que o público que frequenta as arenas é gente com mais dinheiro. Ou seja: pobre e povo ficam excluídos do espetáculo, que já não é barato nos estádios, e ficam excluídos também do futebol, pois nem as televisões de sinal aberto nem as televisões por cabo passam a maioria dos jogos. De tão rentáveis que são, apenas canais "pay per view" das redes por cabo (o que significa pagar duas vezes pela exibição) transmitem as partidas que a gente quer ver.

Além daquelas enormes "vantagens", arenas são "sustentáveis" pelo fato de sediarem espetáculos tão fantásticos como "shows" musicais, lutas de vale-tudo, quermesses, feiras de gado, congressos e cultos neoevangélicos. Num lugar assim, que serve a mil utilidades e no qual o futebol deixa de ser prioritário, até futebol pode ser jogado nele.

A arena será compartilhada pelos dois clubes, que terão de pagar pelo seu uso (uma arena, afinal, é cara e precisa dar lucro). Ela será construída com apoio e recursos da prefeitura, do governo do Estado e de projetos do governo federal. Concluída, passará a propriedade privada de alguém, não mais de um clube. Os clubes, que já não têm jogadores, pois estes pertencem a "empresários", ditos parceiros, que os vendem daqui para lá, negociando-os mais vezes a fim de gerar mais comissões, deixarão de ter também estádios (caríssimos de manter, descobriu-se subitamente, quando ontem eram uma solução de autonomia do clube) e virarão enfim o que quase já são hoje em dia: apenas uma marca, que poderá ser transferida para qualquer lugar conforme alguma pesquisa de mercado indicar ou mesmo extinta se deixar de ser comercialmente interessante.

Porém, em atenção ao princípio da livre concorrência, terão de ser erguidas duas arenas em Florianópolis, as quais - questão de pouco tempo - atenderão também, pelas mesmas razões de economia, às marcas hoje conhecidas como Joinville, Criciúma, Chapecoense e outras que se queira no futuro inventar.

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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.

"Somente teremos discussões salutares neste País se respeitarmos a História."

Eu Mesmo, em 17.04.13, respondendo a e-mail sobre golpe de 1964 e ditadura de 21 anos.