No que consiste a saudade?

Ter saudade é uma prisão que minha alma engendra para ser lenha a alimentar o desejo de ter o que não tenho, de ter quem é distante, de me aprisionar em momentos da vida que já se passaram e como tal, deveriam estar contidos em tempo e espaço determinado, selados e mantidos em caixas-arquivo em alguma estante mental.

Ter saudade, talvez seja recuperar coisas, pessoas e situações que o tempo, cruelmente, afastou ou desfez, como o sol desfaz a bruma da manhã fria, manhã de desterro da alma. Sentir saudade oprime, principalmente a mim, cuja distância me impede de ter quem e o que me é indispensável. Sentir saudade do afeto, do desejo, da linha mal traçada de mãos que deveriam encontrar-se, significa não vida, negação de tudo que acredito ser fundamental.

Saudade da fala, saudade do beijo, saudade do afeto, saudade do sexo bem feito e depois um cigarro e conversas mil. Saudade de ser um pouco irresponsável, saudade de simplesmente estar em algum lugar, saudade de tudo e todos ou, talvez, de nada e de ninguém.

No entanto, à pairar sobre as gentes e sobre mim, lá está ela, sorridente, sarcástica, extrememamente sarcástica, uma guarda de prisão a comer o coração dos prisioneiros aos poucos, assim como á águia comia o fígado de Prometeu , fígado esse que renascia como renasce a nossa vida , todos os dias.

Haverá algum dia em que a saudade será morta? Será que em algum momento poderemos contemplar seu cadáver semi-destruído e rirmos às gargalhadas, dizendo ser muito frágil aquela que nos oprimia?

Não! Quem gargalha é a saudade que se refugia no alto de uma árvore, projetando sobre nós a sua sombra. Ri-se por saber-se eterna opressora e nós, inutilmente, tentaremos afastá-la como praga perniciosa, sem conseguir.

André Vieira
Enviado por André Vieira em 09/04/2007
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