A incrível ignorância do ser

Na rua o fluxo de carros é intenso. Homens e mulheres deixando seu trabalho em busca da residência tão desejada. Nos ônibus, populares se aglomeram em busca de espaço. Caos no trânsito. Buzinas disparadas denunciando os que não exercitam a paciência. O motorista do Fusca verde e ultrapassado e agredido com palavras pela veloz Ferrari. Palavrões impublicáveis. Na faixa pertencente ao pedestre o motorista do caminhão descansa sua máquina. O vermelho é sucedido pelo verde e a senhora de bengala é obrigada a se comportar como estátua em meio ao fluxo intenso de motoristas desequilibrados. Parece que os carros ganharam vida, substituíram ao homem dantes contemplado por sua representatividade diante desse mero veículo. E pensar que no início do século XX o automóvel não passava dos 20 km/h. Hoje jovens entorpecidos pelas drogas, envenenam suas máquinas a fim de lhes darem mais velocidade e assim demonstrarem o poder que estão guiando.

Em meio ao caos, atrevo-me a ver um filme, ou seja, ir ao cinema passando por esse trânsito caótico. Mais alguns minutos e estarei dentro do cinema, livre dessa pressão. O sinal é vermelho para os veículos na Avenida Ipiranga, sigo o destino dos demais pedestres. Do meio da fila de carros surge um motorista que buzina pedindo minha atenção. Ele não merece, pois o direito é meu como transeunte. E dotado do mais imperfeito argumento, baseado na sua santa e ignorante educação, brada o desajeitado motorista: “Tinha que ser negão”. Os pedestres que neste trajeto me acompanhavam, indignam-se. A velhinha pede que faça um boletim de ocorrência; do alto o pedreiro reafirma a opinião senil. Os jovens que voltavam da escola param, estão estarrecidos. Não aprenderam a agir desta forma na escola, mas a combater qualquer forma de preconceito. Fico feliz por existirem pessoas que ainda pregam a igualdade entre o humano.

Continuo a caminhar, pois meu destino é o cinema. Já o destino desse cidadão, que me agrediu moralmente, não seja glorioso como o meu. Sou feliz, tenho uma família para me gabar, uma mulher para amar, e minha pele negra nunca foi empecilho para galgar os mais altos degraus. Agora, a sua ignorância causa dúvidas...

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 10/04/2007
Código do texto: T445062
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