SOBRAS DA DITADURA      Parte 2


  A viagem de Campina Grande acontecia tensa. A impressão que tinha era a de que estava cercada de gigantes que insistiam em exibir suas armas pesadas. A situação era ao mesmo tempo trágica e hilária. Procurava ignorá-los e voava na minha imaginação de poeta. Eu não estava alí. Perto de João Pessoa, resolveram desviar um pouco o trajeto. Uma passadinha pela praia do sol. De imediato entendí o porquê dessa "visitinha" à praia num horário tão impróprio... Acordei do devaneio e um medo me tomou. Sentia-me pequena e indefesa. Nunca duas horas tinham virado séculos.
   Na chegada a João Pessoa uma concentração de militantes e familiares a porta da polícia federal me serviu de alento. Eu não estava sozinha. Colocaram-me numa cela escura, sem direito a visitas. Apenas uma cama de cimento com uma espuma rala e suja. O "mictório", degradante. De noite escutava os gritos de pessoas aparentemente sendo torturadas. Só depois vim a saber que não passava de uma gravação para torturar psicologicamente os prisioneiros. O cardápio, sem palavras. Mas, o que mais me incomodava era a falta de notícias do lado de fora. Diversas vezes por dia eu era levada para interrogatórios, sempre cruéis. Voltava esgotada, física e moralmente.
   No terceiro dia, uma agradável surpresa. Dom José Maria Pires, Dom Pelé, Arcebispo da Paraíba veio me visitar. Soube que ele encarou tudo e todos, violou as regras, mas entrou na minha cela. Ele me abraçou e beijou minha mão. Eu já estava cansada e abatida. A presença dele foi de vital importância. Ele me trazia mensagens de apoio, muitos abraços de familiares, amigos e companheiros. As palavras dele foram de conforto e muito amor. Numa marmitinha trazia uma farofa de carne de charque. Ficamos conversando de maõs dadas até a hora que o carcereiro me acordou do momento mais terno de toda minha vida. Definitivamente eu não estava só. Na verdade ele me trouxe alento, apoio e a coragem necessária para que eu suportasse o que ainda estava por vir.