O PRECIOSO VASO CHINÊS E COMO MEU PAI ME ENSINOU A MENTIR

Por Mathias Gonzalez (*)

Eu tinha 5 anos de idade e como toda criança, gostava de jogar bola e correr dentro de casa nos dias de chuva com o meu irmão 5 anos mais velho que eu. Era grande um risco, pois meus pais colecionavam vasos de louça que estavam espalhados pelos principais cômodos da imensa casa onde morávamos. Meu pai era o delegado da cidade e um homem muito severo. Dizia sempre que jamais deveríamos mentir. Sob nenhuma circunstância, mesmo que isso significasse um castigo, pois, segundo ele, era deste modo que seríamos bons cidadões e pessoas corretas. Ele se gabava de nunca ter mentido quando criança nem como adulto. Eu acreditava nele. Crianças acreditam em tudo aquilo que os pais lhe dizem, especialmente o meu, que andava com dois revólveres na cintura, tinha cara de mau e era responsável pela Lei e Ordem na cidade onde morávamos.

Naquele dia de chuva, meus pais tinham ido visitar minha tia na capital e só voltariam no dia seguinte. Era costume eles viajarem e nos deixarem ao encargo da minha avó africana Brasília, que passava o dia inteiro cochilando no seu quarto. Era um amor de pessoa. A vovó que todos sonham ter.

- Pode chutar a bola, Mathias eu pego! - Disse meu irmão se preparando como um goleiro na frente da porta aberta, que simulava o gol.

Chutei com força. A bola não foi na direção do meu irmão, mas sim, direto para o maior vaso de louça chinesa que meu pai havia ganhado de presente de um amigo que trouxera do exterior há muitos anos. Uma raridade. Parece que o diabo do vaso atraiu a minha bola, pois nunca vi nada mais bizarro em toda a minha vida. O vaso ficou em mil pedaços e nem em cem mil anos conseguiríamos restaurá-lo. Foi o que eu e meu irmão em pânico e incontrolável desespero tentamos fazer usando cola Tenaz. Choramos feito cabritos desmamados.

Minha avó acordou com o nosso choro e nos consolou dizendo que falaria com meu pai que foi um acidente. Ela não quis saber quem havia quebrado, mas avisou que meu pai iria querer saber. Era esse o meu medo avassalador.

Eu nunca havia levado sequer um puxão de orelhas de meus pais, o contrário de meu irmão que vivia apanhando e levando “bolos” nas mãos, aplicados sem dó nem piedade por meu pai. Eu morria de pena de meu irmão, mas sabia que o menino era mesmo encapetado. Ele desafiava a Lei e a Ordem, que nesse caso era meu pai em carne, músculos e muita raiva.

Quase não dormi até o dia seguinte. Meus pais chegaram e encontraram o vaso estraçalhado dentro de uma caixa que minha avó recolhera na esperança de que acontecesse um milagre e os pedacinhos se reunissem até ficarem restaurados. Todavia, não aconteceu nenhum milagre mesmo minha avó tendo rezado muito e apelado para todos os santos e orixás que ela conhecia.

- Quem fez isso?! – Trovejou meu pai trincando os dentes.

Pálidos feito fantamas, eu e meu irmão tremíamos como varas verdes.

- Vocês estão surdos?!! QUEM... QUEBROU... MEU... VASO CHINÊS?!! – berrou meu pai com uma chuva de saliva em nossas caras, já que ele estava com o rosto a apenas cinco centímetros delas.

- Calma Januário... tenha calma – interveio minha mãe, tentando aplacar-lhe a ira.

Se eu já não tinha vontade alguma de confessar o “crime”, depois daquilo seria absolutamente impossível arrancar de mim a verdade. Embora eu soubesse que meu irmão poderia me delatar eu sabia que ele não faria isso, pois em todo caso, meu pai iria aplicar-lhe um castigo de qualquer jeito – por não ter tomado conta de mim DIREITO, já que tinha o dobro da minha idade. Meu irmão gostava muito de mim e chorava só em ouvir alguma ameaça de meu pai dizendo que iria me castigar. Era meu defensor-mor. Foi colocado no mundo para isso, eu sabia.

O tempo pareceu infinito embora só tivessem se passado apenas alguns segundos desde a última indagação furiosa de meu pai e intervenção de minha mãe.

Meu pai falou uma porção de coisas, pegou a caixa com ex-vaso-chinês-de-pequim... culpou a minha avó, culpou minha mãe e finalmente, imaginando que aquela seria a última estratégia para conseguir saber o verdadeiro culpado, pois nenhum de nós lhe diria a verdade, suplicou com voz lamuriosa:

- Mathias... eu sei que pode ter sido você... se foi, pode dizer. Eu só quero saber a VERDADE, NADA MAIS DO QUE A VERDADE... Prometo que não vou lhe castigar. Não tenha medo de falar. Mesmo que tenha sido seu irmão eu não irei castigá-lo. Mas não quero ser injusto com nenhum de vocês. Eu apenas irei conversar com quem fez isso, nada mais. NÃO... IREI... CASTIGAR... não vou punir – você está ouvindo?

Assenti com a cabeça e acreditei em meu pai. E, com a inocência dos meus cinco aninhos, balbuciei:

- Sim, papai... foi eu... foi sem querer... estava jogando bola dentro de casa... desculpe – enquanto duas lágrimas rolavam pelo meu rostinho.

Meu pai me agarrou com firmeza e gritou:

- Eu desconfiava... eu desconfiava... vá buscar a palmatória. Você vai levar meia dúzia de bolos para aprender a não fazer mais traquinagem dentro de casa.

Meu coraçãozinho disparou como nunca antes. Fiquei cheio de terror, mas obedeci. Estendi as mãozinhas em quanto meu pai golpeava com toda força dos seus braços o castigo prometido.

Daquela data em diante ele tinha me ensinado a mentir.

Até hoje não sei por que os pais querem que os filhos sejam melhores do que eles, se não lhe dão o exemplo.

(*) Mathias Gonzalez é psicólogo e escritor

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MGonzalez
Enviado por MGonzalez em 28/08/2013
Reeditado em 28/08/2013
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