Sobre a importação de mãos e cérebros para o desfrute do governo

SOBRE A IMPORTAÇÃO DE MÃOS E CÉREBROS PARA O DESFRUTE DO GOVERNO

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 04.09.13)

Assim não é mais possível! Tudo o que esse governo federal pensa e faz visa exclusivamente os seus interesses, sempre escusos, e os interesses dos seus apadrinhados. É um pessoal que só quer saber de perpetuação no poder para melhor e mais completamente dilapidar o País. Raspar o pote. Encher as burras. Drenar a cisterna. Esvaziar o tesouro. Ganhar na moleza sem nunca ter feito nada para merecê-lo e sem competência, nem honestidade, para fazê-lo. Ludibriar os incautos e rir da cara deles (de nós) entre um gole e outro de champanhe gelado e legítimo à beira-mar em dias de calor.

Importar é palavra e ação em moda, a despeito da disparada para cima do dólar. Importar médicos, por exemplo, e jogá-los no meio das pessoas sem comprovar se eles conhecem a língua e os costumes da região onde servirão como escravos e, mesmo, se conhecem medicina, além de não construir hospitais de ponta e laboratórios avançados em cada rincão do País, não leva à saúde, mas a atestados de óbito redigidos em mal espanhol. Como medicar apenas com as mãos? Apenas com as mãos só se consegue mendigar, é ridículo isso.

Importar engenheiros também é demagogia deslavada que carrega em si o propósito básico de afagar prefeitos de municípios minúsculos que querem uma ponte, uma estrada, uma nova escola, uma quadra de esportes, um teatrinho, e alegam não conseguir engenheiros brasileiros nem a salário de jogador de futebol. Como se tais equipamentos pudessem ser erguidos sem disponibilidade local de matéria-prima, máquinas e mão de obra treinada. Agradando sem discriminação a prefeitos, o governo federal transforma médicos e engenheiros em bodes expiatórios, assim dissimulando seu despreparo cavalar frente aos magnos problemas pátrios.

A persistência dessa febre importatória como biombo demagógico do poder central fatalmente levará à importação de escritores para suprir de livros e bibliotecas os grotões mais remotos do interior tupiniquim, ávidos por leituras que não conseguem encontrar nos autores nacionais simplesmente porque a incompetência governamental não logra fixar, nesses locais, escritores com a infraestrutura necessária ao desenvolvimento das suas funções, o que inclui salário público inicial de dez mil reais, casa, comida e acesso livre a internet fixa e móvel de alta velocidade.

Como o governo mostra-se incapaz de suprir a demanda por literatura, decidirá importar escribas estrangeiros que levarão à nossa gente do interior - se efetivamente forem capazes de escrever, pois estarão isentos da obrigação de provar que conseguem fazê-lo com o mínimo de graça e elegância - os costumes, os hábitos, as estruturas de raciocínio e até o idioma das terras de fora, destruindo, assim, a unidade da nossa língua e a singularidade da nossa cultura. Isso sem falar na clara evidência de que cá atuarão como espiões, complementando o trabalho que o governo estadunidense já desenvolve em parceria com suas empresas (que parecem públicas, mas são privadas) de comunicação telefônica e eletrônica.

A nossa sofrida população, em última análise, é que pagará o pato, submetendo-se a serviços sem garantia de responsabilidade profissional, prestados de forma inadequada por sabe-se lá que tipo de gente importada de sabe-se lá de que tipo de faculdade.

O próximo passo haverá de ser, não duvidemos, a exibição quase exclusiva de filmes estrangeiros nas nossas redes de televisão, sejam as gratuitas ou as pagas.

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.

"Janeway Smithson estava naquele trabalho havia vinte e cinco anos e era estúpido o suficiente para se orgulhar disso."

Charles Bukowski, "Factótum"