Contabilidade: um instrumento de gerenciamento?

Se alguém me perguntar se a Contabilidade é um instrumento de gerenciamento, eu responderei que "sim, ela é" e que "não, ela não é". Como tudo depende do texto, há de se levar em consideração se estamos tratando da teoria ou da prática - respectivamente.

Explicando melhor, tomemos aqui a situação da Contabilidade diante do empresariado brasileiro, seu patrão. Eis que, quase que em sua unanimidade, a classe em referência desconhece a gama de atividades e serviços que o profissional da contabilidade (diga-se "o contador") ou seu escritório tem a oferecer para suas empresas. Por ignorância ou vontade. O caso é que não se conhece até mesmo as mais básicas práticas administrativas, como, por exemplo, um fluxo de caixa. E eu ainda vou mais longe: digo que quase ninguém utiliza a contabilidade como um instrumento de gerenciamento da Entidade. A visão que se tem do contador, ainda, é aquela do famoso "guarda-livro". A classe empresarial, em sua maioria esmagadora, ainda enxerga (e atura!) a Ciência Contábil apenas como o "mal necessário". Como se nossa tão suada profissão não passasse de mera formalidade fiscal (e legal).

Basta olharmos a realidade vivida em países desenvolvidos e fazermos uma comparação com nossa realidade brasileira. Lá, quando se abre, por exemplo, uma microempresa, o que acontece é a aliança (união, por assim dizer) de profissionais formados e preparados para aquilo que se destinam e se propõem a fazer. Nesse caso, predomina a interação das capacidades, habilidades e talentos de cada parte. Aqui, a prepotência e a leiguice (total!) é que impera. E o que é pior: sofremos pela carência de atenção dos governos, os quais estão unicamente interessados em promover isenções fiscais para determinadas organizações bem mais abastadas, as quais, por sua vez, não se atêm às particularidades da eficiência econômico-administrativa, nem pela sustentabilidade, às vezes nem pela ética. Aí me vem certas instituições a escancarar a porta do descaso para a Contabilidade, ao sugestionar o jovem leigo empreendedor de que não se necessita do contador para a abertura de sua tão pretendida microempresa. Descaso sim, pois não se dá a atenção e a assessoria necessária ao entendimento da importância (e não da necessidade) de se utilizar serviços profissionais especializados com vistas a dar "Continuidade à Entidade", o que, por coincidência, também é um princípio contábil. E assim, lá se vai bueiro abaixo o tão sonhado apoio que querem os microempresários e, principalmente, a formação da mão-de-obra que o Brasil tanto precisa!

E o que querem dos contadores e contabilistas, então, os ditos empresários, sejam eles micro ou macro? A mágica da sonegação. E agora, tem ainda o contador, para sobreviver ao mercado, que engendrar meios aos empresários de se obter o melhor resultado econômico, aquela que favoreça o bolso do patrão, em desprezo do verdadeiro papel do profissional da contabilidade. E você sabe me dizer qual é esse papel?

Desta feita, não poderíamos chegar a resultado "melhor" (ironia). Nossos técnicos, bacharéis e acadêmicos esvaem-se por outras áreas do conhecimento e o mercado não opera com profissionais nas quantidades demandadas pelo desenvolvimento. Índice este extraído das taxas de produtividade industrial e de desempenho comercial. Pior, nossa educação, aliás, nosso ensino está cada vez mais a desejar. Não se preparam mais os profissionais da maneira que o mercado tanto precisa, assim como o mercado não dá o devido valor merecido pelos mesmos.

E aqui se instaura a celeuma: em terras tupiniquins, nunca a profissão contábil foi tão desconhecida como o é atualmente. Já de tempos, é claro. Mas a profissão evoluiu, ao passo em que retrocedeu o modo como se é vista por parte do empresariado e governos. Pior ainda é agregarmos a isso a Lei de Murphy: “nada está tão ruim que não possa piorar”. Acontece que existem ainda aqueles empresários que insistem na aglutinação das funções contábeis e administrativas. É claro que detemos nas mãos a capacidade, e não é difícil encontrarmos um contador sendo oprimido a exercer o papel de administrador da empresa. Porém é justo onde o perigo reside: o desagradável acúmulo de funções. É claro que aqueles profissionais éticos e honestos (intelectualmente falando) refutam o convite e se manifestam vítimas do despreparo estrutural exigido pelo arcabouço de boas práticas administrativas requeridas por qualquer organização. Por parte do contador, o rechaço traduz com singeleza sua elegância em dizer que não aceita trabalhar de graça (os honorários não seriam compensatórios, tampouco a encheção de saco). Por parte do patrão, o convite não passa de pura conveniência orçamentária...

Meus caros, um contador que se preze não tem tempo nem de visitar sua mãe no domingo, avalie então tempo de conciliar suas atribuições junto ao Fisco com a árdua missão de gerir, em toda sua minúcia, uma empresa, seja qual for o seu porte, assim como quer o empresário. Já não basta o tempo (precioso) despendido pelo profissional contábil em tentar colocar, de uma vez por todas, na mente do empresário que o caixa da sua empresa não é sua carteira de bolso.

Volto a afirmar que as empresas brasileiras, de um modo em geral, fazem uso da Contabilidade apenas por formalidades exigidas legalmente, nada mais. A Contabilidade é mais que isso. É uma Ciência. É o elo entre a Economia e a Administração, sem a qual não se pode falar em finanças. Entretanto, falar em Contabilidade como sendo uma ferramenta de gestão do patrimônio, seus fenômenos e variações, ainda é algo utópico. É ufanismo. É uma miragem observada na imensidão do deserto. Mas é um sonho que deve ser realizado. Se quisermos profissionalismo de verdade em nossas empresas, devemos lançar mãos e fazer uso dessa ferramenta.

Por fim, deixo-vos uma pequena comparação: para progredir na água, um veleiro necessita não apenas do velame, ou seja, do conjunto de velas e mastros. Necessita, principalmente, de um conjunto de cabos chamado “cordoalha” para dar controle ao uso das velas. Sem a cordoalha, o veleiro rumaria apenas acompanhando o sentido do vento. E é justamente daí que podemos extrair a importância de ser utilizar a Contabilidade da maneira adequada: gerenciar a empresa de acordo com o sentido do vento, observando e entendendo as mutações do patrimônio, dando o seguimento que se quer ao veleiro, digo, à empresa.