Instinto selvagem

Voltávamos de uma viagem eu e minha esposa. Em certo ponto da rodovia, ela exclamou: "Uma vaca morta!" E eu, automático, lamentei: "Coitada..." Trafegávamos a uma velocidade razoavelmente alta e eu sequer vi a tal ruminante mas... coitada. Mal finda minha lamúria, já estava a raciocinar. Coitada? Um riso irônico, cruel e ,porque não?, de constrangimento tomou-me o rosto. Um meneio de cabeça para os lados pareceu realocar ideias e reconstruir o pensamento, simultaneamente à vaca morta. Pus-me a refletir em quantas reses, quantos milhares delas, são nocauteadas todos os dias para que possamos saborear uma boa picanha, um bom bife de filé mignon ou uma gostosa rabada.É, comemos até o rabo da vaca, literalmente, embora haja quem o faça no caráter sexual da expressão, o que não vem ao caso. É como se diz por aí, que da vaca só não se aproveita o berro. Pobre vaquinha... Pobre franguinho... Pobre porquinho... Pobre peixinho... Não! Não aprendemos a ter pena dos animais que comemos. Ver um touro cravejado de dardos me deixa indignado, e muito! Mas um bife suculento, não. "Ah, são criados pra isso", alguém pensará. O ser humano é animalesco. Sua selvageria repousa em algum lugar recôndito do cérebro e aflora em confraternizações vespertinas ou nos almoços em família. Os ensinamentos de Anchieta enfiados ânus adentro tirou-nos a aberração do antropofagismo e outras práticas canibais mas nos deixaram longe de resistir ao convite para um bom churrasco. Pobre vaquinha...

Antônio Carlos Policer
Enviado por Antônio Carlos Policer em 17/09/2013
Reeditado em 26/10/2013
Código do texto: T4486240
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