No rastro da outra face.

Acho que é bem nesse momento em que eu sinto falta de alguma coisa todos os dias, algo entre os copos de café, algo que me tirasse do chão antes que eu me afundasse nele de vez. Acordei ainda entorpecido pelo cheiro; a camisa no cabide, o desenho em meio as minhas anotações e os dois copos de whisky pela metade. Engraçado, há tempos que eu não me pego com esse sorriso de canto de boca. Tenho uma vontade enorme de saber o que acontece do outro lado também, mas assim sozinho só pelo prazer de me achar no meio dessas coisas, das anotações, dos pensamentos matinais; assim revirar armários, penetrar mente, atravessar travesseiro. Mesmo depois de reconstruir castelos aderindo a ideia que a maturidade veio quando eu me "comprei" para exclusivo controle e propriedade, tenho gostado, embora não sem medo, da ideia de ser roubado aos poucos de mim.

Nessas ruas de rostos invisíveis sempre me pego pensando se sou invisível também, entende? Porque embora pareça prepotente, me sinto de fato diferente. Não por escolha, é algo maior que vem desse outro jeito de ver o mundo e de saber que o que me salva é a loucura. São quinze para as duas e há um rosto que se destaca mesmo sem estar presente. E eu me pergunto se não é esse rosto que vem movendo coisas dentro de mim que eu sei que nunca mais serão as mesmas. Uma raiva insuportável me invade, já se passou meia hora, estou no quarto copo de café e não saio da primeira tela. A cabeça pesa, os pés parecem ferver dentro do sapato, os olhos cansam. Como se pudesse ouvir meu grito mental de socorro o telefone toca. E o som que materializa o rosto me aproxima de uma coisa mágica que equilibra meus pensamentos fazendo-os cair no papel um a um.

E ao som de "Como uma onda no mar" eu volto para casa, me sentindo meio mar também. Tem tanta coisa transbordando dentro de mim que se faz necessário um outro ser trasbordante para que haja o encontro das águas e assim eu ser capaz de nutrir a coisa mágica de oceanos mais profundos. Chego, deito num ritual de libertação. Sabe que essa justa medida não me acontece há tempos? Assim, sem essa massagem de ego que me enfia goela a dentro essa máscara prepotente e dominadora.

Eu frequentava a roda de samba quando cheguei a essa cidade. Agora o ambiente é outro, cara de zona sul. Todas essas pessoas que se vê espalhadas pela cidade sempre sorridentes e com uma garrafa na mão. No meio do encontro "casual" com os amigos o rosto se materializou em superfície concreta, agora vindo em minha direção. Eu não me movi, no começo inventei desculpas para mim mesmo algo como não querer passar uma impressão errada por atos involuntários. Mentira! Eu não sabia como agir, as vezes eu sufocava e o sorriso saia a duras penas. O cheiro exalava da própria coisa, assim mágica, perto, tangível. Ela assim, sempre com ar de que sabe o que quer, onde está e tão segura de uma felicidade contagiante.

A rua era pequena, e a presença embaçava minha visão. Eu sinto uma responsabilidade enorme quando ela está aqui, uma necessidade de proteger o prazer da existência da justa medida. As vezes não falo nada, não por não saber o que falar, mas há sempre um medo de assustá-la e afastar toda essa mágica. Nossos corpos se encontraram e num cruzar de olhares me percebi irreversivelmente dentro daquele outro lugar...