SAUDADES

A palavra SAUDADE é uma das mais usadas na poesia brasileira. Expressa bem o sentimento de nostalgia que domina o coração quando se recorda, a qualquer tempo, os momentos felizes da vida. Lembro que minha mãe, que viera da povoação de São José, município de Sobral-CE, onde deixara irmãos, parentes e amigos, e nunca mais retornara, externava o seu sentimento cantarolando, nas tardes sonolentas, as modinhas do seu tempo de menina/moça, entre elas uma que dizia: “Saudade, meu bem, saudade/saudade que não tem fim/do tempo em que era pobre/e que não me trajava assim.” E prosseguia cantando, os olhos fixos numa distância imponderável.

Diz o samba de André Carlos Mussolini que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Não foi bem assim o que aconteceu comigo na tarde deste penúltimo sábado, 22 do mês de junho em curso, antevéspera da noite de São João, mês chamado junino, em que se comemoram os dias de Santo Antônio, em 13, São João, em 24, e, no dia 29, São Pedro, acendendo-se fogueiras, soltando fogos e dançando quadrilhas nas noites de suas vésperas, principalmente no distante passado, nas cidades pequenas, como era, então, a Mossoró dos meus tempos de menino e de adolescente. Essa tradição vem de muitos anos e constitui motivo de intensas festividades em cidades como Caruaru, Campina Grande, Feira de Santana, Mossoró, que tomou, neste mês, o título de “cidade junina”, e várias outras.

Não foi bem assim, repito, o que aconteceu comigo agora. Acho que é este tempo chuvoso que sempre mexeu com a minha alma, fazendo-me rebuscar recordações, não só as lá de dentro, bem dentro do meu coração, até as gratas lembranças mais recentes, isto é, não tão antigas. Considerando que já estou quase no fim da casa dos oitenta, são muitas as recordações acumuladas nesse longo tempo, recordações que, de repente, tomaram conta de mim, enchendo o meu peito de saudades. E é difícil especificar quais as saudades maiores, se as da infância, da adolescência, da mocidade, da casa dos vinte, dos trinta ou dos quarenta, até mesmo os cinquenta ou sessenta, quando ainda me sentia com vigor para desfrutar, juntamente com a família ou com alguns amigos mais próximos, entretenimentos, até, às vezes, em aventuras não pecaminosas, a vitalidade que ainda tinha.

Mas, já que me sentia mergulhado nesse longo retrospecto sentimental eu preferi ir repassando-o devagar, por etapas, para que a minha alma aproveitasse bem os acontecimentos, o convívio dos amigos, as brincadeiras, as paixões, os sonhos, que evocava. Nesse transe, houve momentos em que procurei entreter-me noutras coisas, buscando um livro, ouvindo uma das minhas canções preferidas ou vindo ao computador em busca de mensagem de algum amigo ou amiga. Mas, não tinha jeito; o pensamento estava mesmo preso às relembranças. E, então, entreguei-me a elas. Ah, como foi bom, quanta coisa foi me passando pela mente, quase esquecendo que hoje sou um velho e um dos melhores passatempos é mesmo esse, de bailar, ao ritmo dessa valsa antiga, enlaçado com essas doces reminiscências, como se fossem musas.

E assim, os minutos foram passando, transformando-se em horas, até esgotar-se a tarde e descer a noite com o céu estrelado, pois o vento já levara as nuvens e, com elas, a minha nostalgia. E com elas as muitas figuras que fantasiaram os meus antigos dias, emoldurando de poesia e de romance. Alguém chegou e me tirou dessa letargia e até perguntou o que eu estava sentindo, pois na minha fisionomia parece que ainda transparecia os momentos desse torpor que me dominou nessa tarde.

Existe alguém que entenda, que explique tais fenômenos? Aliás, fenômenos com igual intensidade já aconteceram na minha vida e já aludi a eles em outras crônicas que escrevi. Já disse como sou sentimental e como as recordações costumam bater às portas do meu coração. Penso que isso é atávico, pois meu pai também tinha suas tardes de melancolia e o temperamento do meu irmão – mais velho do que eu dez anos, diferença de idade que quase desaparece quando nos tornamos adultos; pois bem, sua natureza era igual à minha, e até, às vezes, confidenciávamos nossos sentimentos. Com o seu falecimento poucos dias antes de completar os oitenta anos, perdi um amigo com o qual trocávamos os nossos segredos e abríamos o coração. Saíamos desses colóquios com uma sensação de alívio. Ah, como ele me faz falta em determinados momentos. E quase da nossa mesma índole, tive pelo menos uma dezena de amigos, que habitam outras dimensões. E assim é a vida, cuja memória guardo com saudade.

Natal, junho/2013

Obery Rodrigues
Enviado por Obery Rodrigues em 20/09/2013
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