O dia em que furtei um toca-fitas

Isto aconteceu nos idos anos de 1975. Naquele tempo, os nossos carros geralmente eram equipados com “toca-fitas” já que ainda não haviam inventado o CD. Quem for da minha idade, com certeza já teve a triste experiência de ver a fita embolar dentro do aparelho e nos obrigar a ficar horas tentando desenganchar com todo cuidado para não danificar o aparelho ou não detonar a preciosa fita que tomou emprestado de um amigo. Lembro até hoje que a caneta “bic” era um instrumento indispensável para esticar a fita e evitar a tragédia. Mas com todos esses percalços, o aparelho era muito cobiçado. Tanto que era o objetivo número um dos ladroes, que arrombavam os carros estacionados para roubar. Os furtos eram tão comuns que logo inventaram uma bandeja onde se instalava o aparelho. Na verdade essa bandeja era um suporte onde se encaixava o toca-fitas e ela permitia num simples puxão retirar o aparelho e levar consigo para não deixar dentro do carro o tão cobiçado objeto.

Um belo domingo, quando fui a um motel com a minha namorada, vejo no box ao lado, com a porta aberta e a janela escancarada o carro do meu amigo Juvenal. E ainda por cima com o toca-fitas último modelo displicentemente encaixada na bandeja. Como ele era casado, resolvi dar um pequeno castigo no sem-vergonha. Tirei o toca-fitas do carro dele com a intenção de só devolver depois que ele desse o objeto como perdido. “Quero ver se ele vai ter coragem de dizer onde perdeu o aparelho” pensei.

Na segunda-feira, peguei o aparelho, coloquei numa caixa, embalei para presente e levei para o escritório. Imaginando que ele iria inventar uma mentira, eu lhe devolveria o aparelho e poderia tirar um bom sarro desse episódio. Quando cheguei no meu trabalho, logo encontrei o Juvenal conversando com um grupo de colegas. Qual não foi a minha surpresa quando ouvi ele explicando o ocorrido.

- Esse fim de semana eu não estava me sentindo bem. Fiquei praticamente todo o tempo na cama e não pude acompanhar a minha esposa que foi sozinha com meu carro ao cabeleireiro e ao supermercado. E foi no estacionamento do supermercado que roubaram o meu toca-fitas. Ela acha que só pode ter sido lá.

Apertei contra o meu peito a caixa de presente contendo o aparelho que trazia na minha mão. Ainda sem acreditar no que acabara de ouvir, subi rapidamente para a minha sala e guardei a caixa na minha gaveta. O produto da minha pequena brincadeira ficou lá por meses, angustiado sem saber o que fazer com o objeto escondi no arquivo morto do escritório, como contar para o Juvenal que o carro dele estava no motel e não no supermercado como a esposa lhe informou. Anos depois deixei aquele emprego e só hoje me lembrei dessa história. O Juvenal, que na verdade não se chama Juvenal, que me perdoe, era inocente e não merecia castigo.