Velhos adoram gatos

Como é difícil o fim da vida. Permanecer sentado e a pensar em tudo o que já se passou durante os anos, tentando em vão mudar alguma cena, algumas palavras e tantas pessoas. Em certas histórias nada valeu à pena, as estações passaram como dias e noites, os anos voaram como os sorrisos sinceros, e já se planeja um lugar ao céu.

O fim da vida remete às mais honestas sensações de tranquilidade, esperando, numa cadeira de balanço na varanda daquela casa afastada da cidade, a luz do fim aparecer. Sensações que desaparecem em algum tipo de emoção. As mãos limitadas e calejadas, e os cabelos brancos que relatam experiência, são sensações de que a intensa vontade de viver não foi mero costume.

É perto do fim que se percebe onde aconteceram os erros e acertos, e define-se que bem aventurada é aquela pessoa que passa pelo mundo com maestria. E um sorriso solitário, em meio ao nada, significa um tempo a mais para viver. Os amores que passaram fazem falta, principalmente em dias frios.

No fim desse mundo é que se percebe onde residiram as suas amizades, e o quanto significa as suas ausências. Aquelas que moraram durante todo tempo em seu coração e outras que permaneceram apenas em certos momentos. Nessa vida, e no final dela, é que se entende o tanto de importância que uma amizade te representou. A amizade é tudo, inclusive lembrança, saudade.

Antes de perguntar a um Senhor sobre o que ele acha da vida, resolvi questioná-lo sobre a morte. Ele me disse que a morte tem dele apenas o perdão e a vida tem a sua eterna gratidão. Eu, admirado com sua resposta e um tanto impressionado, aprofundei-me no tema. Ele então me explicou metade de sua existência, desde o primeiro minuto em que ele lembrou existir.

O Velho me ensinou sobre as amizades. Sobre livros e sobre flores. Me falou sobre os teus momentos felizes e as lágrimas que um dia insistiram em cair. O Senhor, de tantas décadas vividas, terminou a sua prosa acariciando um gato que considerava ser o seu melhor amigo.

O gato não tinha nome. E atendia a qualquer chamado. Curioso sobre a existência desse bichano eu perguntei ao Velho o porquê, depois de tanto tempo de amizades e amores, um gato se transformou em seu melhor amigo.

Ele meramente me respondeu:

- Velhos adoram gatos, eles não abandonam ninguém, muito menos no fim da vida.

www.kallildib.com

Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 24/09/2013
Código do texto: T4496201
Classificação de conteúdo: seguro