CONFISSÕES DE UMA CORUJA

O exercício da escrita é como a arte do amor. Por sermos humanos, se a prática não traz a perfeição, nos torna mais abertos ao sentido de tudo. Depois de algum tempo sem tema para crônica, lembrei-me da pergunta de uma amiga a respeito dos domingos, querendo saber se eu ia à missa para me confessar. Por mais pueril que seja a pergunta, feita em tom de brincadeira, desperta lembranças e inquietações. Levou-me à infância de sábados sagrados pela religião, mais ou menos imposta pela família, onde comparecia à igreja para cantos, preces, sermões. A pianista era a mulher do pastor. Eu me sentia a corujinha vendida por papagaio ao suíço. De olhos bem abertos, prestava atenção a tudo! Não falava nada. Minha diversão era observar roupas bonitas. Assim, observei a mulher do pastor sair e voltar às pressas para o piano com novo vestido. O vestido preto de estampa floral que usava no início da manhã era igualzinho ao vestido de outra dama. Outra vez, meu amigo Joaquim, de Angola, após a apresentação de “slides” sobre o Céu, perguntou-me por que naquele céu não havia negro? Para quem não sabe, havia uma máquina que projetava imagens (“slides”) numa tela branca. Ali podíamos ver a boa vida que teríamos, após a morte, é claro, se nos comportássemos direitinho aqui na Terra. Ruas de ouro, mansões de pedras preciosas, leões mansinhos para passar a mão, pessoas loiras de olhos azuis. Fruto de evangelização norte-americana na Amazônia. Hoje eu acharia antiecológico o leão anestesiado, a extração de ouro e pedra. Mas na época, o que me chamou atenção, com a troca do vestido e a pergunta do Joaquim, é que o discurso e a ação nem sempre caminham de mãos dadas. Isto independe, evidentemente, de religião! Com certeza, aqueles oito anos que frequentei a igreja da minha tia acrescentaram algo a minha formação pessoal. Respeito e incentivo qualquer pessoa que tenha uma ligação religiosa com dogmas específicos, ou uma crença particular extraída de várias outras; foi o que fiz dos treze anos em diante. Um pouco de Cristianismo (amo as comemorações de Natal, Páscoa), um tanto de Budismo, Cabala, Espiritismo, Gurus da Internet. Colcha de retalhos? Sim. Tem validade como ingresso no Céu? Espero que não. No entanto, me faz respeitar meus semelhantes e diferentes, procurar agir com ética e usufruir dos altos e baixos desta vida preciosa e tudo que recebi de presente de meus antepassados. A inquietação ficou por conta do quanto hoje evitamos utilizar a palavra Deus. Haja Luz, Espírito Superior, Mestre, etc. O mesmo se aplicando ao novo apelo de não enquadramento em religião alguma. Já li de uma das religiões que mais crescem no Brasil, que não se tratava ali naquele texto de religião, mas, sim, de ciência, filosofia e aprendizado para aprimoramento moral. Não é vergonha ser ateu, ou professar uma fé, nem diminui a inteligência seguir determinada religião. Pelo contrário. Diante de cardápio tão variado, eleger uma forma de vivenciar a espiritualidade, embora não garanta o céu na Terra, pode tornar os dilemas humanos mais aceitáveis para muitas pessoas. Eis aqui, cara amiga, minhas confissões domingueiras aos quatro cantos da página.