A última dança

As amigas podiam falar, a família ficar questionando, até os filhos acharem que não ficava bem.O ex-marido, deixa pra lá, ex é ex. Já foi, acabou-se a sujeição, a vontade de fazer e não deixarem.Ficar em casa, novelas e revistas, ligações para a família.Casa, casa, casa. Quem casa quer casa. E foi assim durante tanto tempo.Filhos crescendo, fazendo famílias e ela na mesma vidinha besta. Academia, cursos bobos, em casa o marido mole, uma vez ou outra antes de dormir, umazinha como se fosse obrigação, um jantar fora, um aniversário de parentes, aquelas conversas chatas, as fofocas, um saco. A vida um saco. E o tempo passando, passando. O espelho. Já estava até com raiva do espelho. Vontade de quebrar o espelho. Que mostrava todo dia a sua cara. Cara que já foi tão bonitinha, quando estudava no Colégio das Irmãs e foi eleita rainha do grêmio.Demorou muito a separação.Por causa dos filhos.Principalmente por causa da menina. Para não dar mau exemplo.Mas teve um momento em que não suportou mais.Botou as cartas na mesa. Queria a separação. Ia fazer cinqüenta anos de vida, trinta de casada e a vida era uma merda. O que ela queria mais ? Tinha tudo em casa, carro, apartamento, tv de plasma, assinatura de Playboy e Caras, academia, os filhos dando gosto, casados, formados,o que ela queria mais, perguntava o marido autoritário. Queria amor, queria homem, queria compreensão, queria alguém que escutasse suas bobagens, que risse com ela, que brincasse com ela, que lhe desse flores, que lhe desse banho de cerveja.que a levasse ao motel para entrarem escondidos como quem rouba, almoçar no motel aproveitando as promoções, que saísse para tomar coalhada em Altos como faziam quando eram namorados.Ela dizia que queria viver. Ele repetia aquela frase que ela detestava: “Formiga que quer se perder crias asa”.Um,dia resolveu abrir o jogo. Foi quando o último filho se casou.Só ficaram os dois em casa. Ela e ela, ela e ele. Como há trinta anos atrás. Só os dois. Mas agora a vida era outra. Naquele tempo, quanta ilusão, quanta esperança... Foi ela quem o chamou para uma conversa. Fria, decidida. Queria a separação. Não tinha mais acordo. Ele tentou panos mornos. Dar um tempo.A repercussão, Teresina era uma cidade pequena, trinta anos de vida conjugal.Que ela pensasse. Não teve acordo.Ela ficaria na casa.Ele iria para o apartamento.E assim se passaram cinco anos. Ele soube ontem. Ela tivera um ataque de coração. Morrera dançando. Deve ter morrido feliz.

garrinchapiaui
Enviado por garrinchapiaui em 15/04/2007
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