Eu vou matar a Xuxa!

Eu vou matar a Xuxa por ter cantado nos anos 80 e poluido nossa geração com uma musiquinha tosca, mentirosa, a qual nos enganou por tanto tempo ( e que ainda pode enganar alguns).

Quando ainda erámos crianças, pobres inocentezinhos, queríamos amadurecer enquanto todos nos forçavam a continuar nos infantilizando, não sabíamos o quanto estávamos sendo vendados, mas que isso, cegados, pois a música gruda (entre tantas outras) essa gruda e gruda mesmo, permanecerá presa na minha memória (pelo jeito, quase nada seletiva, pois eu ainda também me lembro da música Lua de cristal) por toda a minha vida, Maldita seja essas cantigas Xuxinianas!!!!

Só para situá-los, quem não se recorda desse asqueroso e mentiroso refrão: "Doce, Doce, Doce, a vida é um doce, vida é mel, que escorre da boca feito um doce, pedaçinho de céu".

Agora, vinte e tantos anos depois, já adultos, (talvez maduros), ex-baixinhos, quando nos deparamos com um refrãozinho antigo e ridículo desse, perdido (na pior das hipóteses, encontrado) em nossa memória, invadindo nossos pensamentos entos entos... Teríamos motivos para cantar que a vida é um doce? Que a vida é mel? O que pretendia o compositor dessa canção? (?) O que pretendia a querida, idolatrada, salve, salve Xuxa? Aonde estava a cabeça dos nossos pais quando permitiam que ouvíssemos tal... tal... merda? (e não vem me dizer que é porque crianças ainda não possuem pensamento crítico, pois isso nem adulto tem) (!).

Veja bem, o que está em questão aqui, não é dizer que é a vida é um lixo, que a vida seja apenas quedas e ruínas e que, em vez de mel, apenas exista um enxame de abelhas prontas para nos atacar... E que atirem o pau no gato logo de uma vez!

Não... Não é isso, a minha desnecessária (?) crítica é para o modo como fomos criados, sempre educados a levar tudo como lindo e maravilhoso e colorido... Um arco-íris... (será que a Xuxa também tem uma música sobre o arco-íris?) Enfim, a maneira com que fomos crescendo achando que dizer "não chore" a alguém que chora é bom e saudável, quando é justamente o contrário...

É bem melhor encarar as dores e os problemas sabendo que eles existem, senti-los e botá-los para fora, não simplesmente guardá-los às escondidas, se iludir com uma realidade que não existe, encobrir o que está no mais profundo para boiar superficialmente em águas de uma vida sem sentido... (Oh! paragrafozinho doce como mel!)

Esse tipo de educação que se esforça em nos convencer, desde que somos crianças, de que a vida é um doce que escorre da boca, só pode obter um resultado: o enfraquecimento de toda e qualquer força, um retardo imensurável no tempo, um arrombo na maturidade e um roubo da oportunidade que temos de desenvolver uma maior capacidade de lidar com as dificuldades da vida.

Afirmar que a vida é um doce ou que a vida é amarga é se atrever demais, (não só) mas o que muito valerá é o que obtemos por meio de experiências, por meio da prática (e isso chega a soar como um senso-comun, apesar de ninguém realmente absorvê-lo) cada um vive experiências variadas, em contextos diversos. Cada ser humano encara uma mesma situãção ou um mesmo sentimento de modos diferentes, o que sempre será igual para todo mundo é que sempre haverá uma lição a ser aprendida, uma página para ser passada a limpo...

Penso que seja bem melhor tirar de nossos pensamentos que o pesadelo é o momento de fugir para o quarto dos pais, que é apenas a hora certa de berrar, e que o sonho é o que sempre será bom e colorido. Um sonho enquanto apenas sonho, será uma ilusão, uma idealização que frusta, e o pesadelo enquanto apenas pesadelo, ignorado no seu canto, permanecerá para sempre conosco nos assombrando... E o bicho-papão ainda te pega hein!

Todo mundo costuma repetir, todo mundo já ouviu, fomos criados para concordar com isso: que para alguém ser feliz, esse alguém precisa sonhar e lutar para realizar o seu sonho. Sim, pode ser, mas isso é andar apenas metade do caminho, a outra metade é saber sonhar um pesadelo, pois sonhar um sonho é fácil.

Sonhar um pesadelo é tirar da cabeça que a vida é um mel que escorre da boca feito doce, doce de coco, de tutti-frutti, de chocolate (trufado), de danoninho e moranguinho e sorvetinho... É mais que isso, é saber crescer com a informação de que o outro lado, o lado da dor, da diarréia, do soluço, da tosse, do escarro, da prisão de ventre, da lombriga... Também existe e é preciso senti-lo e adimiti-lo para só depois ele ser superado.

A vida não é o mel doce do ursinho pouf, a vida não é um jiló amargo frito há três dias, a vida é pura e simplesmente algo que não precisa de definição, pois existe apenas para ser vivida... E não perdemos tempo quando sorrimos, nem quando choramos, apenas quando deixamos nossa face livre de expressão... (E eu só não mato a Xuxa

mesmo porque se eu for ao Rio de Janeiro é capaz de me matarem antes).

Notte Fonda
Enviado por Notte Fonda em 15/04/2007
Reeditado em 21/10/2008
Código do texto: T451181