Curitibana Assaltada no Rio de Janeiro

Numa manhã fria de um dia normal da capital paranaense, Dona Astride pegou o avião. Não avisou os filhos, estava cansada de ser babá dos netos. Desde que deixou a vida profissional não sabia dizer não para os filhos. Cinco filhos e 12 netos. O neto mais novo tinha sete meses e oito dias, e o mais velho vai fazer 14 anos. Os netos sabiam aproveitar as regalias da vó Astride. Ela não gostava de ser chamada de vó.

Terça feira de sol no Rio de Janeiro. Sua amiga Marietta combinara de mostrar as belezas da cidade maravilhosa. Marietta desde que ficou viúva, mudou-se para o Rio de Janeiro. Marietta havia esquecido que de manhã tinha médico agendado e não poderia desmarcar.

Astride ficou com a manhã livre. Seu marido, Juacir, faleceu há alguns anos em decorrência de uma cirrose, consequência de anos de consumo de álcool. Dona Astride, estava bem conservada para os seus 61 anos de idade. Bem aposentada como funcionária do serviço público estadual. Serviu como secretária de diversos governadores do Paraná.

Astride resolveu andar de ônibus. Pediu informações na recepção do hotel e o trajeto iria ser curto. Não tinha medo da violência da cidade. Era descendente de alemães e teve que enfrentar muita coisa nesta vida. A primeira luta foi convencer a sua família, que veio da Alemanha pós-guerra, a aceitar o seu casamento com o Juacir, que tinha pele morena.

No ônibus, todos os lugares estavam ocupados. Ela não se importou, queria ver a cidade maravilhosa, cidade de sol, povo alegre, diferente da capital onde morava. Já conhecia o Rio, mas esteve só a trabalho e não teve tempo para se dedicar e apreciar as belezas naturais.

Estava absorta em seus pensamentos apreciando o vai e vem das pessoas na praia tomando sol, jogando bola, correndo. Quando alguém lhe chama puxando seu braço.

Um moço novo, negro, forte e bem vestido, lhe oferecia um lugar educadamente:

- senhora pode sentar aqui, por favor!!!

Ela olhou bem aquele jovem e seus pensamentos voltaram no tempo: imaginou-se com uns vinte e poucos anos, na flor da idade, bonita, esbelta, sempre foi desejada pelos homens quando passava, as propostas, bilhetes, cartas, flores e gracejos eram constantes. Imaginou-se num vestido de “piriguete”.... humpf! É! não iria ter para nenhuma destas meninas novas não!

Ela sentiu um calor interno aumentar. Começou a se abanar, pensou estar corada. Desde que seu marido faleceu não teve nenhum outro relacionamento, os netos não deixavam. Em outra época ela não iria deixar este jovem escapar. Queria ser agarrada por seus braços fortes de academia, sentir o suor escorrendo no corpo nu, tirar bem devagar esta camisa branca que marca seu físico ... ai! que estou pensando?... Respirou fundo e tentou se recompor e tirar os pensamentos libidinosos da cabeça. O jovem estava de pé apontando o banco para ela sentar. Não era de se jogar fora... suspirou!

Olhando bem nos olhos dele disse com um sorriso safado:

- precisa não moço... assim consigo apreciar "bem" a paisagem!!! E deu uma piscadela com o olho direito para o jovem.

Ele insistiu, mas ela recusou. Ele ficou sentado.

Dona Astride para distrair-se, admirava a praia. Passado alguns minutos sem tiu que faltava algo. Olhou para o pulso, cadê o relógio? O sangue ferveu e a reação foi instantânea.

Chegou bem próximo do ouvido do jovem e disse baixinho e pausadamente, mas num tom firme e amedrontador:

- me passa o relógio!!! me passa o relógio, já!!!

Ele ficou sem reação, tentou argumentar sem entender:

- mas...

Ele foi bruscamente interrompido, ela ainda falando firme na orelha dele:

- só porque é bonitão, pensa que vai me enganar é... me passa o relógio já... senão eu vou fazer um escândalo aqui neste ônibus!!!

Ele tirou o relógio do pulso e entregou. Ela pegou o relógio jogou irritada dentro da bolsa. Apertou a campainha e desceu do ônibus na próxima parada. Pensou e foi resmungando enquanto andava pelo calçadão:

- sujeito asqueroso, vem dando de bom moço para “ingrupir” uma senhora... mas comigo não ... sou velha, mais tô ligada na parada!!!.

Sorriu satisfeita com a gíria que ouviu de seus netos.

O passeio daquela manhã estava cancelado. Voltou a pé para o hotel e iria aproveitar a piscina.

Chegou ao hotel, entrou no quarto, jogou a bolsa na cama e parou. Ficou estática, imóvel, branca, pálida e de boca aberta. Engoliu em seco.

Rapidamente pegou a bolsa. Abriu. Estava tremendo. Virou a bolsa em cima da cama. Foi jogando tudo para o lado: carteira, pente, maquiagem, batom, passagem aérea, moedas, celular, porta retrato, dinheiro, caderninho de telefone, óculos de leitura, recibos de táxi, cartões de bancos e lojas, secador de cabelo, escova de dente, mais um pente, lenço de papel, pirulitos, spray para cabelos, remédio contra artrite, remédio da diabetes, vitaminas em cápsulas e um relógio. Desesperada segurava em sua mão, um relógio da marca Tag Heuer link calibre S.

Na mesa de cabeceira do quarto, ao lado do abajur estilo inglês, inerte, o seu relógio continuava marcando as horas. O seu relógio de ouro.

O seu relógio era sentimental, ganhou de um governador. E dizem as más línguas que foi por causa deste governador que o falecido Juacir começou a beber. O governador era bem próximo dela.

O relógio, depois de consultar um relojoeiro amigo seu, era original e muito apreciado por jogadores de futebol.

Juvenal Tiodoro
Enviado por Juvenal Tiodoro em 09/10/2013
Reeditado em 14/10/2013
Código do texto: T4518192
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