A tatu, o laser, e o coração

Aqui dessa cadeira-de-rodas, minha outra conselheira, olhando ela andando pela casa com meu nome escrito nas costas, numa tatuagem pedida, implorada, e até suplicada, por meses, para que a permitisse fazer, voltei a lembrar da tolice que era o pensamento, e contestação, de que aquilo a marcaria para sempre e que quando eu não tivesse mais ‘aqui’ a marca estaria ali a lhe causar lembranças enquanto provocava desconforto frente ao seu novo companheiro, na ilusão de que tal argumento a demovesse da decisão. Mulher, gênero que quando encasqueta com uma coisa nem santo convence do contrário, ela se manteve firme até que, vencido pela insistência, cedi.

Entretanto, agora com meus canecos, observo que a tolice não era só minha, mas dela também - mesmo com o tanto de aconselhamento que me dá com sua atenção. Sim. Porque um dos argumentos que usara para me convencer de carimbar-se com meu nome era o de que aquilo me manteria na sua lembrança para sempre depois que eu morresse; sem se importar com o que pensaria, quem sabe, quem viesse a se tornar seu marido depois – para isso talvez ela tenha algum motivo. 

Mas - e não sem admitir que os arranca-rabos de vez em quando nos faz uma visitinha, ou não seriamos da raça humana - vendo as tantas outras expressões de carinho, dedicação, e admiração que ela expressa por mim, volto a concluir que sim, que a tatuagem poderá lhe trazer inconvenientes, mesmo que tenha visto no gesto mais uma forma de expressar o que pode ser um reconhecimento. Mas também um símbolo que apontará uma responsabilidade muito maior ao sujeito, que simplesmente o dever de todo marido tratar sua esposa bem.

Você deve achar do cacete um cara falar em morte se estando tão feliz ao lado duma pessoa que o ama e a quem, na justa medida, também se ama. Mas não é. Isso é coisa de gente desasombrada; e que não mete a cara na terra quando o assunto é a realidade; quando se fala do irremediável. O que, aproveitando o ensejo, deve reportar muitos à refletir, se está se fazendo alguma coisa para que o/a parceiro/a implore para escrever seu nome nas costas.

Então, voltando ao contexto, também conclui que muito mais que a tatu, que pode ser ou não um problema o que dependerá muito da qualidade, e da capacidade de raciocínio do individuo, estará o esforço que terei feito em mostrar o tamanho do meu amor, do meu respeito, reconhecimento, e meu carinho por ela. O que, incontestavelmente, voltando a falar da sua atitude em marcar seu corpo com meu nome, ela, mesmo com meus defeitos maiores que as minhas qualidades, tem considerado. O que, porém não sem considerar a representatividade da tatuagem inerente ao imensurável dever que apontará a quem se aproxime, manda a tatu às favas.

Assim, não sem lembrar aos urubus agourentos com vistas a meter a mão na mulher alheia, faço a todos saberem que nosso compromisso, com cadeira-de-rodas e tudo, é de que nem um nem o outro deve ir antes dos NOVENTA E CINCO. Mas se acaso eu, levado pela ordém natural das coisas, seja obrigado a descumprir esse combinado e ela venha a ficar, ele pode contratar a remoção a laser que quiser, que da pele sai, mas do coração jamais.

AMO, filha. E amarei eternamente...
 

(Outra sugestao de leitura: O Calundú, e Quem diria...)