PARABÉNS PARA MIM!

Nunca gostei de me olhar no espelho, porque o que eu enxergo nele não sou eu. O que percebo, nas poucas vezes em que, sozinha, faço as sobrancelhas, não é compatível com aquilo que eu sou intimamente.

Vejo uma senhora com cabelos e peles cansados, reveladores da idade que tem. Quando olho para baixo, deparo-me com um corpo roliço originado pelos desejos de alguém, que considera um absurdo ter de se embonecar ou ter de deixar de comer ou beber algo, simplesmente porque precisa de que os outros a considerem bonita, elegante, chique, esbelta, magra.... Egoisticamente, a sua dona só se preocupa com sua alma e nunca com o olho do outro.

Em dado momento, eu me sinto como Sócrates e me dou conta de que esse corpo é apenas a casa onde eu habito. Pergunto-me se desprezo a estética e a resposta é “Não!”, pois se me mandassem escolher outra “moradia”, a exemplo da maioria das pessoas, eu teria escolhido os modelos que os europeus “venderam” para o mundo como belos: carinha de boneca, olhos azuis ou verdes, cabelos lisos, corpinho mignon, pés e mão delicadinhos... Ocorre que Deus não me permitiu escolher e me fez nascer como e onde considerou ideal.

Por outro lado, ele me permitiu fazer escolhas e, para compensar a carência de beleza, eu optei por estudar, ler, pensar e desenvolver habilidades e competências mensuráveis apenas pela sensibilidade ou pela cognição de poucos. Na escola e com a família eu me apropriei de conceitos, fatos, conhecimentos, procedimentos e valores, que me distinguem, mas de certa forma me igualam a muita mulher bonita, e isso me deixa em paz comigo mesma.

Talvez eu seja assim porque, do ponto de vista humanitário, não consigo ver utilidade nas pessoas que investem tanto naquilo que o tempo vai fazer despencar e a “terra” vai comer, mas não cultivam a decência, a solidariedade, a honestidade, a bondade, o respeito, a gratidão, a fidelidade, a dignidade e a responsabilidade. Naturalmente, isso não me dá o direito de dizer-lhes o que penso, mas confesso que é o que vai dentro da minha cabeça.

Nesses anos todos que Nosso Senhor me permitiu fazer escolhas e viver, eu gastei 42 deles fumando e não vou repetir aqui as causas, pois já fiz isso em outubro de 2012, na crônica “Só por hoje eu vou resistir”, disponível em http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4012757.

Não vou fazer os cálculos da distância a que chegaria a fila de cigarros que fumei, um atrás do outro, ou a montanha que eles juntos formariam. Também não quero pensar no quanto isso me custou financeiramente, e muito menos imaginar se, um dia, meus pulmões voltarão a ser cor de rosa.

No dia 29 de outubro de 2013 eu completo um ano livre do tabaco e creio que mereço parabéns por ter resistido aos desejos que ainda me acometem, quando meus amigos tragam durante as festas, os churrascos... O preço que se paga não é barato e creio que seria muito pior, se eu fosse alguém que gostasse de me admirar no espelho. Não sei quanto eu engordei, pois nunca gostei de me torturar subindo em balanças, mas sei que foi muito pelas roupas que mal cabem em mim, pela minha imagem nas fotos ou na TV, quando me assisto após dar entrevistas.

Continuo sentindo um misto de orgulho e de pena de mim mesma. O primeiro, porque eu tenho conseguido resistir muito bem, o segundo porque eu sei que se eu me render ao cigarro, eu voltarei à condição de escrava de algo que pode me matar sem que eu veja os meus filhos se casarem ou meus netos nascerem.

Aniversariantes merecem presente, mas não pensem que eu peço a Deus que me dê vergonha na cara para eu conseguir voltar a caber em minhas roupas. Isso Ele já me deu e logo, logo, eu vou voltar ao corpo antigo, até por que quem consegue vencer o tabaco, tem força de vontade para alcançar o que se determinar. Como presente, eu quero apenas o perdão do meu marido, dos meus filhos, dos meus alunos, dos meus amigos e dos meus colegas de trabalho, pelas vezes em que a abstinência me fez ser estúpida ou grosseira, tornando-me intimamente feia também.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 24/10/2013
Reeditado em 28/10/2013
Código do texto: T4539804
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