Lucienne

Lucienne, criada pela tia, tinha responsabilidades de dona de casa; trabalhava em serviços domésticos, e não sei exatamente porque não estudou. Não lembro de ter feito esta pergunta à própria, ou à sua tia, ou a quem pudesse dar-me resposta; o fato é que não estudou e se mostrou surpresa, quando eu voltei da minha primeira aula de francês, no 1º ano ginasial; perguntou-me como se falava seu nome em francês e eu respondi com toda a pompa - Lucienné; Francês é assim, é? Confirmei e com toda empáfia que me caracterizava, mudei de assunto. Gostava imensamente dela e, de quando em vez, íamos juntos ao cinema, mas eu não admitia, que lhe faltassem com o respeito na rua...Imaginem, que dei uma tijolada nas costas de um admirador, que lhe chamou de moça bonita (!) - que falta de respeito! Desrespeitar uma jovem de 17 anos acompanhada de seu primo de 10 anos. Namorou um milico poucos dias, e que indo para a guerra em 1942, passou a corresponder-se com ela e criar por meio de cartas, um grande amor que durou até à morte. Casou-se com o ex-pracinha e eu chorei tudo que era possível chorar naquela idade, embora estivesse bem vestido, com um terninho de casimira de calças curtas, vindo da Europa e que pertenceu ao neto de Dona Marcelina. Esta senhora, além do Diabetes, tinha uma outra doença - não dava nada aos pobres; tudo ela vendia; assim, minha mãe comprou o terninho que me enfeitou no casamento. No dia seguinte, as 8 horas da manhã, compareci à casa dos noivos, na rua General Clarindo, 35, no Engenho de Dentro, aporrinhando a lua de mel; não me fizeram nenhuma grosseria; muito pelo contrário, o marido me perguntou se queria ouvir um disco; colocou na vitrola o concerto para piano, nº 1 de Peter Iljitsch Tchaikovsky, e amarrou essa música a uma lembrança definitiva em minha vida.Quero saber; por que Lucienne não estudou? Desconfio que as pessoas piedosas, religiosas e de boas intenções, que criavam parentes e órfãos sociais, não lhes davam estudo, pois, elas precisavam retribuir à acolhida executando serviços domésticos sem paga, sem qualquer remuneração e, com a obrigação de agradecer aos cuidados de mãe que recebiam. Não posso enveredar por esse caminho, pois, ninguém pode dar-me qualquer resposta. Lucienne morreu ainda jovem, e seu marido acabou de criar os filhos com todo carinho e cuidado. Era um bom homem!