A Mão-de-ferro e a Conchinha.

Gosto de homem com mão de ferro. Esta frase, intrigante para alguns e instigante para outros, para se ouvir no primeiro dia de encontro dum casal pretenso a namorados, à primeira vista soa mesmo estranho, mas logo se compreende que, diferente de outra coisa, sua colocação aponta que a figura feminina da pretensa relação não curte em nada o sujeito que não garante as calças que veste.

Ao ouvi-la, há quase trinta anos – quando ainda andava como se vê ao fundo na foto -, da minha então paquera, agora ex-esposa, ao encontrá-la para conhecê-la pessoalmente - já que nos falávamos só por telefone, apresentado que fomos por uma amiga que queria lhe mostrar um homem de voz marcante - confesso que sofri um impacto. Mas que veio acompanhado dum regozijo sem medida posto que a minha é mulher que, conhecedora do seu papel na relação, não busca a qualquer custo se impor frente ao marido, invertendo a ordem das coisas, mas que tem seu espaço respeitado justamente por suas atitudes de a fêmea do par; de parceira sim, mas não de quem disputa o lugar de comandante na relação familiar.

Sofri o acidente, que me pôs na cadeira-de-rodas, e por ação do destino, ou providencia do Divino, a relação com esta acabou. Até que casei de novo.

Não sou do tipo machista, o que pode ser atestado pela atual, e também pela ex-esposa, mas não só na hora do sexo, mas em tantas outras situações, do cotidiano, a pegada é minha. A mulher gosta disto.

Até me recordo dum episódio no então programa Os Trapalhões, onde o personagem do saudoso Zacarias, contracenando com uma atriz, num papel dum casal de marido e mulher, ele, deitado e com o cobertor esticado até o nariz, só com os olhos de fora, acorda a mulher:

- Meu bem, meu bem, acho que tem um ‘homi’ embaixo da cama!

Ao que ela levanta, acende a luz, olha embaixo da cama e, esboçando uma expressão de desprezo ante a atitude do marido, dispara:

- Não tem homem nem embaixo nem em cima dessa cama!

Há casos, e muitas serão as esposas que testificarão isto, onde tantos outros sujeitos mandam a mulher abrir a porta enquanto ele se esconde no quarto, ou pior, mais patético ainda, detrás da geladeira, para não receber o problema nos peitos. Salvo em casos onde se esteja de algum modo impedido de ir até a sala, como já ocorreu comigo, a situação é vexatória, para não dizer revoltante. E é liquido e certo que, assim como no episódio em Os Trapalhões, as consortes – no caso aqui as sem muita sorte, para descontrair um pouco, uma hora os olharão com o mesmo desgosto e desprazer. E o cabra ainda se queixará da “greve”. Alegando à parceira que ela tem mais dor de cabeça que estrelas no céu...

Mas, trazendo a campo a razão de escrever o texto, lembro aqui que a mão de ferro a que se quer - pelo menos para aquelas de sã consciência -, não se aplica a se bancar o valentão, saindo por aí a meter a mão na cara das pessoas, de forma gratuita. Não. Ela quer ser pega com mãos firmes também naquelas horas, claro, e nunca quando estiver fazendo o mercado, mas a referencia principal aplica-se ao sujeito ser macho também nas decisões, na resolução dos problemas, na proteção à figura dela, e da família; em fim, a se ter atitude.

Entretanto, aos desatentos que já me conhecem e sabem da minha limitação física, que, em inobservância ao proposto no que lêem, podem está se perguntando o que diabos pode fazer um aleijado, mais precisamente um tetraplégico, que promova a segurança da sua família, lhes respondo que quem sabe nem eu mesmo tenha a resposta – aqui, lhe fazendo a vontade, falando de poder do físico.

Mas ao mais atento, mas que, por se vir na situação Zacarias esteja fazendo cara de paisagem, tenho a dizer que o caso é que esta manhã, ao vê-la se ajeitando para que eu abrisse os braços para que se re-aconchegasse, estive a refletir sobre o fato de que, no sentido atitude, algo deve mesmo acontecer aqui em casa; pois ela, mesmo sabedora mais que ninguém da minha dependência da sua pessoa para mover meu corpo em muitos dos momentos, toda noite, ao irmos dormir, não abre mão da, que muito diz, aconchegante, velha e boa Conchinha.

O que? Você gosta tanto mas ela, como você fez há pouco, também faz cara de paisagem se fazendo de desentendida? 
Há um truque, seu bobo: experimenta passar a abrir a porta. Que é quase certo que ela vá sem precisar que tú chame...