De como a ponte de safena influencia a arte

Domingo, Embu das Artes, uma multidão invade as ruas vendendo ou comprando. Dada a crise econômica aliada à globalização, mais vendendo que comprando. Comida então nem se fala...

Baiana, paulista, mineira, gaúcha, a cozinha brasileira está lá com toda sua gama de aromas e sabores... É um visual estonteante, e se você somar a isso tudo um grupo de peruanos com sua musica típica, meia dúzia de seresteiros bêbados de voz grave e altíssima, e um monte de artesões vendendo peças de madeiras, tecidos e quadros, tem uma idéia da babel que é aquilo..

Já tínhamos os nossos lugares preferidos, as lojas de antigüidades certas com as mesmas antigüidades de sempre, aliás, mais móveis velhos do que antigüidades, há uma sutil diferença, nossos marchands pintores etc., tudo bem sedimentado...

Chegando lá, a primeira providencia é comer, (fico irascível com fome..), aplacada a fera, vamos andar e aproveitar o domingo, como um milhão e meio de paulistas que se acotovelam por ali... Vamos as nossas obrigações sociais, primeiro ver as meninas, duas simpáticas velhinhas que tem um atelier onde vendem uma pintura delas mesmas tão diferentes como as próprias. Uma, a mais nova dá idéia de uma chola peruana dessas bem típicas e a outra, estranhamente sua irmã, magra e alourada, bem, caucasóide, nos leva a pensar na complexidade da genética humana pois dizem elas são filhas do mesmo pai e da mesma mãe. Mistérios da natureza... Depois de alguns minutos de papo e de vermos e elogiarmos as mesmas pinturas, passamos ao seguinte, algumas portas adiante...

A galeria seguinte, pertencia a um senhor nordestino, velho morador de São Paulo, que tinha um ótimo acervo de quadros, normalmente de pintores locais.

Era um personagem extremamente complexo, vendedor aposentado, morador da capital, conhecedor de artes e marchand, dono de uma galeria.

Já nosso conhecido de outros carnavais, era passagem obrigatória para um papo ou uma vista nos novos quadros à venda.

Depois desta peregrinação artístico cultural, vinha a melhor parte do programa que era os comes e bebes nas barracas existentes e uma vista d’olhos nos famosos antiquários onde eu insistia em achar velhas armas de fogo, nunca encontradas.

Bom tempo que vai, passamos algum tempo sem ir ao Embu das Artes e quando voltamos, ao iniciarmos a segunda visita encontramos nosso personagem completamente derrubado, com uma expressão de “vou morrer” e os empregados com aquela cara solene de iminente velório.

Ficamos sem graça, sem saber bem o que dizer quando um dos empregados nos cochichou com extrema gravidade:

- Ele tá muito mal, fez uma operação no coração e colocou três pontes de safena; e ainda acrescentou: - acho que vai morrer...

Aquilo me doeu como velho safenado que sou, e me deu vontade de dar um esporro nele.

Sem pensar respondi: - porisso não, eu tenho quatro e não vou morrer tão cedo.

Nosso amigo ouviu aquilo e mais que depressa, a cor começou a voltar ao seu rosto.

Levantou-se da cadeira e perguntou: - vc também operou o coração?

- Sim, respondi.

- E não sentiu mais nada?

- Não, porque?

Ele me olhou, quase li o que ele estava pensando...

Ficamos mais um pouco e nos despedimos. Quando chegamos à porta ouvi a voz dele outra vez forte: - meninos vamos botar esse quadro do delegado na frente dos outros.

Olhamos pra traz e lá estava ele em pé, segurando um enorme quadro emoldurado, enquanto apontava para uma pilha de outros encostados na parede.

Fiquei pensando, que influência uma boa safena não tem sobre a arte...