O real comportamento de um amigo

Passavam das oito horas da noite, já estava de saída daquele bar e me destinava para casa. Ao levantar vejo ao fundo o João, de cabeça baixa, levando consigo um olhar triste. Aproximo-me da mesa e pergunto com satisfação:

- Como vai João?!

Ele olha-me e cumprimenta:

- Bem! E você, Silvio?

Ando muito ocupado, essa vida de escritor, jornalista, muita correria...

A partir daí notei que meu amigo, que não o via há muito, necessitava de palavras a fim de levantá-lo. Titubeei até prosseguir e perguntar:

- Não o vejo com um semblante dos mais agradáveis. O que ocorreu, meu amigo?

- Acho que não devia lhe preocupar com esse papo “bravo”.

- Que isso! Amigo é para essas coisas. Nos momentos mais difíceis é que enxergamos os verdadeiros companheiros.

- Lá vem você com esse discurso esquerdista...

- Não é esquerdista, João... Já lhe disse que há muito não milito mais nessa área.

- Melhor assim!

João sempre fora metido com os homens da direita, sempre fora favorável ao Golpe Militar de 1964, que depôs Jango. Também acreditava no poder econômico e social adquirido pelo País em meio ao governo dos “milicos”. Ao contrário do amigo, sempre procurei ser fiel aos princípios da liberdade – seja ela: sexual, de imprensa, ideológica, religiosa, etc. Mas isso não me impediu de sempre discordar do amigo quando o assunto era a “Época de Chumbo” . Num momento de desespero sempre procurei ajudar aos que necessitassem, principalmente um amigo.

- Então, João! Me conta!

- Foi uma mulher...

- Já era de se observar!

- Conhecia-a num desses bares freqüentados por pessoas da sociedade, aquelas que estão sempre em colunas sociais.

- Sei. Estão ali simplesmente para aparecerem!

- Pois é! Essa garota tem lá seus vinte aninhos. Muito bonita!

- Pedofilia, João!

- Que nada! A garota tem o corpo pronto, desejosa pelo prazer!

- E como tu afirmas isso com tanta convicção?

- Tenho o faro...

- Faro? Me desculpe meu amigo, mas seu faro encontra-se obstruído... Precisando de um soro.

- É... talvez seja, mas sempre achei que ela fosse a mulher da minha vida!

- Como?

- Daquelas em que você bate o olho... e sabe que será sua!

- Preciso! Mais você me parece não ter saído tão bem.

- Foi. No começo achei ser o homem que ela queria: um jornalista bem sucedido, viajando por vários países, dono de alguns imóveis, carros, conhecido nos meios sociais... Tudo que uma mulher, jovem, poderia desejar em um homem.

- Conte-me mais.

- Nessa noite saí com a “gata”. Fomos fotografados para alguns jornais da capital e acabamos numa cama de motel.

- Assim, no primeiro encontro?

- Mas é lógico! Essas jovens possuem muita energia.

- E depois?

- Acordei exausto. Ela estava no banho. Saímos juntos do motel e a deixei em casa. Uma residência modesta, mas me pareceu muito aconchegante.

- Saíram mais algumas vezes?

- Não mais... Liguei diversas vezes para o seu celular, sua casa... e nada! Fui até a residência dela e me disseram que a Michele não existia. Mas como não! Deixei-a aqui há dois meses! Insistiram os velhinhos que nenhuma garota ali morara, que eram apenas os dois, casados há 66 anos. Que inveja!

João parou por um tempo, suspirou, pois o casamento seria suas reais intenções há anos. Voltou a relatar-me:

- Encontrei com a cadela beijando outro numa festa do grupo “Luxo é Luxo”. Ela se deliciava nos braços do cara. Fiquei possesso. Cego. Parti para cima dos dois aos socos e chutes. Os amigos seguraram-me, pois iria apanhar do acompanhante. Cheguei a dar alguns golpes na face dele, mas não foram sentidos. Ela desapareceu no meio da multidão. No outro dia estava eu nas colunas sociais. Ironizado no trabalho por lutar pelo amor de uma prostituta.

- Mas esqueceu a garota?

- Não. Deixa eu terminar.

- Tem mais?

- Sim. Na semana passada folheando aos jornais, defronto-me com os noticiários policiais. E qual era a manchete?

- Qual?

- “Michele Vadia é assassinada”.

Conhecida nos meios policiais, Michele, como vulgarmente era chamada, tinha perdido sua vida, vítima de um cliente. E mais, João me relatou:

- Aquele casal de idosos eram os agenciadores das garotas. E Michele era uma das serviçais. Pode?

- Pode. Michele é uma das muitas que anseiam “status”.

- Mais eu me apaixonei...

Dias mais tarde fiquei sabendo que a prostituta Michele estava grávida quando foi assassinada. Optei por não falar a João. Seria este o real comportamento de um amigo? Penso que agi certo.

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 18/04/2007
Código do texto: T454682
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