A lâmpada


Disse que me levaria prá viajar com ele.
Perguntei prá onde e ele me respondeu apontando o dedinho prá cima: “prá lâmpada...”.
Tinha cachos nos cabelos, três anos de idade e uma viagem marcada. Logo estaria seguindo para crescer em outro país, entender a vida em outro idioma guardando da sua língua apenas uma raspa com sotaque. Quando ouvi a palavra “lâmpada” na voz pequena, tive a certeza de que nunca mais olharia prá elas da mesma maneira, mas eu sabia que prá ele seria diferente, prá ele uma lâmpada seria apenas uma lâmpada, ou melhor: "una ampolleta".
Enquanto lutava contra o sono, mantinha seu olhar no lustre com as piscadas cada vez mais lentas e demoradas. Fiquei pensando no que ele pensava no momento, me falou alguma coisa sobre uma festa, balões coloridos, tartarugas ninjas... e deitou a cabeça no meu travesseiro.
Eu cantava, ele dormia. Enquanto ele sonhava, eu me fragilizava. Beijava seu rosto e uma luz se apagava. Eu sabia que aquele momento se apagava da sua mente, ou ficaria adormecido numa daquelas áreas escuras das quais, por vezes, não temos acesso.
Deitada ao seu lado era eu quem, então, lutava contra o sono na tentativa de aproveitar ao máximo a viagem até a lâmpada.
Assim como a outra, seria uma viagem só de ida com alguns retornos no decorrer da vida.
O menino de três anos ainda mora comigo e sempre acorda quando acendo a luz da minha casa, e o momento retorna claro e cheio de cachos nos cabelos que agora são lisos, mas só quando me visita, uma vez por ano, aquele rapaz alto, forte e bonito me chamando de titia com um sotaque esquisito, mas que eu amo.