Incompetente? Não deu...

Com os dois lendo os comentários em A mão-de-ferro e a conchinha, e em A tatu, o laser, e o coração, escritos de forma a homenageá-la enquanto esposa, e enquanto mulher – o primeiro a tendo como representante do gênero, e lhe observando a mostrar-se encantada com os textos, lhe pedi que sugerisse um tema que norteasse uma nova crônica. Ela me fitou, me olhando com olhar distante, deu uma volta pela varanda, e sapecou: Incompetente! - Quase dou um pulo da cadeira-de-rodas. Posto que esperava algo mais sublime.

Há quem acredite em acasos. E estes são muitos. Mas de cá bato o pé, e baterei a vida toda, que coincidências não existem. Tudo acontece para sua caminhada sempre em frente, e por obra da natureza inexorável do universo por vontade de quem o criou. É um projeto em franca e crescente evolução. Foi tudo pensado - mesmo que com o Livre Arbítio tenhamos a sensação de que fazemos o que quizermos com nossas vidas e que não passa disto. E vale sempre a reflexão de que não somos obra do acaso, como defende a ciência, que diz que uma bactéria qualquer nos deu vida e à máquina perfeita – única de que se tem conhecimento – como nós. Somos peças do sistema – com a diferença de que temos alma. E ter a autora do pedido, como esposa, como percebo o rumo que tomará esta escrita, acredito, não é obra do 'acaso'.

A afirmação me reporta inclusive ao ponto em que sempre que resolvo escrever, ela me aparece na mente, quando me desperta a lembrança de que, como em Quem diria, assim como em A Mão-de-ferro e a Conchinha, onde digo que a interrupção do meu antigo casamento, se não se deu por ação do destino (o que é diferente de acaso), foi por obra do Divino. Sim. Por que não sei se estaria vivo se ela não tivesse entrado na minha vida – assunto para um texto exclusivo. E escolhe-la como fonte de inspiração pode acabar por não ser uma atitude voluntaria. Mas um procedimento inconsciente de justiça. Vá saber.

Aqui um exemplo do porque acredito que o acaso é utopia de quem cria: momentos antes de entramos na minha escrivaninha, conversávamos sobre certa secretária que tivemos e que, por esta não ter muita intimidade com uma coisa chamada de raciocínio lógico, tendo nos dado prejuízo um atrás do outro com sua inércia – o que pode, repetindo, pode, não ser exatamente um problema de falta de atitude, mas de limitação mental, o que fugiria totalmente ao seu controle. Então, não seria, até ao menos abastado de memória e raciocínio, tão difícil concluir onde vai dar, e por que ela escolheu este tema para esse texto.

Alheia ao que me ocorreria, repito, mesmo que não voluntariamente, na hora ela remoia, indignada, sobre o montueiro de papel que lhe esperava sobre, e sob as mesas no escritório; a saber, recibos de pagamento, de toda ordem, faturas tri vencidas sem serem pagas, nem empastadas, contra-cheques de empregados, de meses atrás, sem assinatura, fatura a ser emitida, tudo misturado; e imundície, tanto externa quanto internamente – o que me apavora mais que animal de peçonha -, daí, quem sabe, pensando na então secretária, me deu o tema.

Mas, você lembra de quando eu disse que o acaso não existe e que a justiça se faz presente mesmo, talvez, de forma inexplicável? Pois é: se houver quem conteste que eu não tenho, no momento que escrevo esse texto, o controle das mãos em direção as teclas e que o ato aqui é pura obra duma coisa chamada subconsciente (o que, em outra barbeiragem da ciência, é negado por esta, mas que usado sempre que a justiça presente se faz necessária), o desafio a me convencer do contrário, pessoalmente, que pago as passagens.

Mas, voltando ao tema, aqui me recordando que pela manha ela me perguntava se eu achava que cumpria bem o seu papel de esposa – casados que somos há 13 anos -, e recordando que, além do monte de broncas que a ex-secretária deixou e que ela tem já resolvido quase todas, o que não me surpreendeu dado sua força de vontade e determinação, ela que trabalha feito uma tigresa, no que compreende cuidar dos negócios – agora mais ainda, lidar com fornecedores, prestadores, bancos, se estressar com funcionários sem-noção, zelar da casa, se cuidar, e ainda por cima segurar essa onda – que ela não abre mão para outra pessoa - que é dar atenção a um sacana feito eu, de quase dois metros de altura, e sentado numa cadeira-de-rodas, com remédio na hora-certa, comida, banho, e banheiro, me diz, num cenário desses, como falar de incompetência?!

Ah, o que eu respondi à sua pergunta de hoje cedo? Que ela sobra, é claro.

Mas, filha, desculpa ter te desapontado. Mas mesmo com seu incentivo ante o que chama de “muita capacidade” em elaboração de textos, fui um incompetente. Desta vez não deu.

E mesmo que o termo não te tenha ocorrido sendo atribuído a mim, mas a outra pessoa, o finalizo te contrariando um pouco mais, invertendo a questão, sinalizando não o que me pediu, coisa que me fugiu ao controle ao iniciá-lo, fluindo então as teclas a apontar a sua incontestável envergadura de mulher COMPETENTE.

Amo.