O Foda de ser Foda

Ela bufou vinte e tantas vezes até o namorado responder o que achava da sua proposta. Ele cultuava um silêncio épico, não olhava seus olhos como de costume nas horas sérias, parecia inclusive fazer questão de uma distância segura contra ela...

“Você quer mesmo isso? Quer provar de outra mulher, junto comigo?” – E para não demonstrar a rabugice pela pergunta, ela beijou seus lábios medrosos, para que ele entendesse o quanto aquilo era um sim. Virou-se e foi embora a passos largos, esperando uma atitude dele. Então a cada passo um desfecho em sua cabeça: Logo ele apareceria ofegante pelas costas dizendo que sim, que queria transar com ela e mais outra, em seguida beijaria sua boca quieta com o mesmo consentimento que ela fez com ele a menos de um minuto.

Depois de meia hora estava na porta de casa, bufando novamente. Estava parada, traçando um itinerário mental de como chegar até o quarto, despercebida da mãe solteirona. Tirou o tênis e entrou de sola quando a mãe apareceu com um prato de pudim e meias palavras de meiguice – “Estava esperando por você meu bibelô. Coma”.

Nas mãos de fato tinha o tênis... Mas como queria que fosse uma faca, para perfurar o coração adocicado daquela criatura que não entendia nada sobre ela. Como alguém que doa seu ventre, gera sua alma e coração, não percebe quando você está demente, triste e descrente?

Toda catatônica, foi direto para o quarto ignorando o pudim, a mãe com seu coração melado de atenção. Foi-se para o computador. Tudo o que queria agora era choramingar nos comentários, sobre a dica de como ser ousada em uma frase, da Celebridade Fulana de Tal, aquela uma que tem o dom de ser Foda.

Então começou a comentar no post da amiga platônica virtual... “Querida Fulana, fui ao ápice da ousadia, fiz uma proposta para meu namorado que deixaria qualquer homem alucinado, maluco por me ter. Mas acho que ele não está preparado sabe... E agora?”

Enquanto isso, a amiga atualizava o perfil e iniciava uma conversa online. Mas ela ignorava cada plin da chamada porque tinha que formular o comentário, contando da sua atitude foda para a Fulana ultra foda. Então mais uma vez, para não demostrar a rabugice, copiou e colou na conversa, a pergunta que fez à Fulana, para ganhar tempo com a amiga do outro lado. Antes de ler o que ela respondia, já procurava pela resposta da celebridade.

Meia hora depois, nenhuma atualização da Fulana. O namorado não ligava, a mãe batia na porta do quarto a cada meia hora para dar fim na sua goela o pudim e a amiga ecoava com não sei quantos plin de mensagens. Então a cada minuto a espera, um desfecho em sua cabeça: Logo o namorado entraria pela porta do quarto com o pudim na mão, todo fofo e tarado, fazendo o papel da mãe manhosa, e por coincidência, a Fulana atualizaria seu comentário com algo do gênero: “Você é Foda e seu namorado um bobo.” E a amiga? Deixa pra lá. Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, a amiga que espere. No mínimo a resposta dela teria mais moralismos que conselhos.

O namorado liga exatamente na mesma hora que a mãe bate na porta novamente. Ela ignora a mãe para atender o homem da sua vida que diz – “Pensei muito e sinceramente esse namoro não vai dar certo. O que queria com você era tão simples... É algo que deixaria qualquer mulher feliz por me ter, mas acho que você não está preparada sabe...”

E enquanto ouvia o namorado diagnosticar o fim, a Fulana atualizou seu comentário com os seguintes dizeres – “Você foi pretensiosamente boba e seu namorado é Foda!”. Agora só faltava a mãe entrar com o pudim e abrir as mensagens da amiga do outro lado, para ler o moralismo. O que esperaria primeiro? Optou por ler logo o que a amiga resolveu lhe dizer e para sua surpresa, era um conselho.

“A proposta que fez era o que você queria? o que ele queria? ou o que os dois queriam? Amiga, ser ousada não significa ser Foda.”

Então a mãe apareceu, como uma bonança no meio da tempestade. E para seu deleite, aquela sensação de inexistência pessoal e social não faria mais estragos. Graças ao pudim e sua mãe, o fator invisibilidade seria mais uma anedota dessa vida.

Mas cadê o pudim? A mãe respondia ao seu olhar de pidona com frases temperadas de desprezo, que o pudim havia dado ao cachorro. E para deixá-la a mercê da pessoa que era, respondeu – “Você é Foda.”

...Só que não.