Quem?

Hoje, a caminho do serviço, vi uma pessoa morta. Não sei seu nome, função social, nada de sua vida. Quem saberá de seus ideais, de seu diário sobre seus árduos dias? Quem sabe de sua fotografia guardada na carteira, com uma dedicatória, um nome apagado? Quem se lembrará de quando ele fora criança, correndo livre pela rua, sem barreiras para suas longas passadas?

Quem, quem é aquela pessoa caída, caiada, com a vida que sei foi pelos dedos, coberta com uma manta prateada? Quais foram as suas últimas palavras? Quem ouviu?

Aquela pessoa, jogada sobre um colchão puído, destroçado por ácaros, carrapatos e bactérias; boca aberta, esperando o último alimento, a extrema unção, o bater do martelo, a direção: purgatório, céu, inferno. Olhos fechados, com a última imagem da vida que foi. Quem, quem é?

Hoje, indo trabalhar, vi um pedaço de carne, rodeado de cães, mendigos e policiais. Uma cama no IML era preparada, uma vala comum era aberta.

O que mais me espantou de tudo isso não foi o morto, mas a banalidade comum da morte.